segunda-feira, 4 de março de 2019

O RENZISMO È MORTO?



(O futuro da esquerda social-democrata italiana é coisa que nos deve interessar, sobretudo com a Liga a esticar a corda e o 5 Estrelas cada vez mais volátil e imprevisível. Por isso, as primárias no Partido Democrático, apontando para uma evolução mais PDS do que os rumos que Matteo Renzi lhe quis imprimir, talvez possam configurar a recuperação ambicionada…)

Para além da preocupação atrás enunciada, há uma curiosidade que me conduziu ao tema. O vencedor das primárias do PD, Nicola Zingaretti, governador da região de Lazio, é irmão do ator Luca Zingaretti que encarna a figura do já célebre Comissário Montalbano, série essencialmente passada na Sicília de sudoeste, mais propriamente em Vigata, num registo sugestivo de presença de Máfia e grupos locais e de mudança de estratégias e negócios envolvidos e que tem retido a atenção dos inícios de noite de sábado e domingo.

A relação é meramente circunstancial, mas a presença simbólica do Comissário Montalbano e da sua peculiar maneira de investigação criminal é para mim um bom augúrio da mudança que Zingaretti poderá determinar nos destinos do PD, projetando-o para alianças mais alargadas e desinibidas que podem ir até ao grupo de Emma Bonino. E depois, o que me parece mais relevante é o PD poder encontrar finalmente um rumo depois da entrada de leão e saída de sendeiro de Matteo Renzi, que muito prometeu e que mediu mal o salto constitucional que pretendia, estatelando-se ao comprido e abrindo caminho a esta estranha aliança que governa hoje a Itália e que promete estragos nas próximas europeias.

O calculismo de Renzi levou-o a caminhos demasiado afastados dos problemas concretos dos italianos que outros aproveitaram habilmente para colocar o PD nas margens da irrelevância política. Não é difícil imaginar que Zingaretti enfrentará proximamente os dilemas com que o PSOE e em parte o PS português se confrontam nas suas aproximações e ensaios colaborativos com a esquerda mais inorgânica, caso do relacionamento entre o PSOE e o PODEMOS em Espanha e do relacionamento do PS com o Bloco de Esquerda. Nessa dimensão, o perfil de Zingaretti parece inequivocamente mais ágil do que o de Renzi, não sendo de desprezar os efeitos de algum desgaste que a estranha aliança entre a Liga e o 5 Estrelas está a experimentar, com os sinais recessivos da economia italiana e com o desequilíbrio de peso entre as duas formações, favorável aos homens do Norte.

Pelo que se vai sabendo da vitória de Zingaretti nas primárias, ela parece ter assentado num retorno renovado às orientações do então PDS e sobretudo na preocupação de não perder os laços de identificação com os problemas reais e concretos dos italianos, sobretudo das suas franjas mais desfavorecidas. Subsistirá, como é óbvio, a necessidade de respostas para os problemas da estagnação competitiva e da produtividade da economia italiana. Aí, por onde der, a social-democracia europeia, mais ou menos ágil, mais ou menos aberta a uma revolução de ideias, tem de encontrar uma resposta para estes problemas que não passem pelo estafado e já gasto discurso e mezinha das reformas estruturais à la OCDE ou Comissão Europeia, que, espremidas, querem dizer normalmente liberalização do mercado de trabalho e nada de implicações para os empregadores e estratégias empresariais. E essa não é apenas uma questão dos italianos, mas de toda a esquerda europeia. Por isso, se dos ventos de Zingaretti e da geringonça por estas bandas resultarem novas ideias é necessário que elas singrem para alcançar um dado limiar de influência. Mais difícil será chegar à social-democracia mais a norte. Uma outra conversa.

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