(O ritual de mudança da natureza repete-se embora com
cambiantes cada vez mais diversificadas. A baixíssima humidade dos últimos dias
dá uma sensação de calor que não existe, mas essa combinação trouxe as aleluias
e o aparecimento em força das azálias. Tempo para reflexões dispersas nestes sinais de
como a Primavera se manifesta aos meus olhos.)
O enredo é conhecido. O PS é useiro e vezeiro em tiros nos pés a partir de
posições relativamente confortáveis determinadas por resultados da governação e
inépcia da oposição ao centro e à direita em Portugal. No meio de uma medida de
grande alcance, os passes sociais, do ponto de vista do seu impacto social fortemente
generalizado e do seu significado para uma mobilidade mais sustentável, o PS
deixa-se enredar na mais que discutível escolha de Pedro Marques para liderar a
lista para as europeias e na questão dos laços e tentáculos familiares na e em
torno da governação.
Comecemos pela questão das Europeias, cuja real relevância está na proporção
inversa do tom e modo como regra geral o eleitorado se movimenta em Portugal
nas Europeias. Tenho de confessar à partida que não morro de amores pelo personagem
político Pedro Marques. Não é que o homem me tenha feito alguma desfeita. Acho
que nunca nos cruzámos e o seu percurso político até pode ser considerado exemplar
no modelo de “subida a pulso”. Mas para mim um político vale a pena quando com ele
(a sua personalidade e maneira de ser) ou com as suas ideias consigo gerar
alguma empatia. O que não é o caso, mas antes de grande indiferença. Percebe-se
que Costa tem para ele traçada uma trajetória de candidatura a um lugar de
Comissário Europeu. Felicidades e bom proveito mas em matéria de política
regional não conheço pensamento relevante ao ex-ministro. Aliás, se o critério
era o de poder mostrar resultados de governação, a Maria Manuel Leitão Marques
teria bastante mais que mostrar, desconhecendo se, no ambiente de uma campanha
eleitoral com Rangel especializado em morder canelas e outras partes do corpo
sob o estímulo de um osso mediático, a ex-ministra da Presidência e da
Modernização Administrativa se aguentaria ou não. Ora, não me parece que a
popularidade de Pedro Marques em Portugal tenha alguma coisa que ver com a
prestação dos Fundos Estruturais e tenho dúvidas se é um candidato com potencial
de empatia junto do eleitorado, mesmo tendo em conta a sua prestação no
Carnaval de Loulé. Por isso, o PS não vai ter vida fácil nas Europeias e creio
mesmo que Rangel trará para o PSD uma prestação bastante acima do que o poder
eleitoral de hoje do partido. A saída de Maria João Rodrigues da lista é inócua,
pois de discurso redondo estamos nós cheios. Na Europa há que baste. Entretanto,
não me imaginaria a lamentar a saída da incontinente verbal Ana Gomes da lista.
Mas como vão os tempos acho que uma personalidade política como Ana Gomes faz
falta a um Parlamento Europeu muitas vezes refém do politicamente correto e
diplomático. Do terceiro lugar na lista de Pedro Silva Pereira nem falo, acho
que é brincar com o fogo. Por isso, em meu entender, os resultados do PS nas próximas
Europeias tenderão a ser inferiores ao potencial eleitoral atual do partido, penalizando
o aquecimento para as legislativas.
Para agravar este contexto e em plena divulgação da medida dos passes
sociais, uma das tais medidas que dá para marcar a diferença em relação aos que
defendem até ao pescoço a liberalização dos transportes, eis que o PS se deixa
enredar no universo do amiguismo e laços familiares na política. Na sua bonomia
prática, Jorge Coelho tem razão em admitir que o problema é a dimensão do fenómeno.
Neste propósito que a comunicação social encontrou de engrossar o universo há
obviamente exageros de imputação. Mas o que mais me impressionou foi a
debilidade de algumas das justificações apresentadas por alguns dos visados. A
mais pungente e desconcertante foi a carta aberta de Pedro Nuno Santos (PNS) para
justificar a presença da sua mulher como chefe de gabinete de Duarte Cordeiro, em
regime de trânsito da Câmara de Lisboa para o governo. PNS é apontado (e ele
nunca o contrariou) como um elemento liderante de uma ala mais à esquerda do
PS, com pontos de contacto com o marxismo. Mas em Portugal os jovens turcos de esquerda
são pelos vistos moles de espírito e doces de coração. Alguém imaginaria um
marxista ou próximo assinar uma justificação daquele tipo, em tom melado-adocicado?
O problema que subjaz a toda esta controvérsia é um outro, o do
afunilamento do recrutamento da classe política que não se vê tender para uma
resolução. Os relacionamentos de família fazem parte desse universo e a
concentração territorial do país ainda o reforça.
Até porque quando existe uma oportunidade legislativa para criar um ambiente
mais saudável a última hora das votações parlamentares traz sempre uma novidade
oportunista. PS e PSD entenderam-se recentemente para afastar qualquer
possibilidade de vedar aos deputados o exercício em simultâneo do lugar no
Parlamento e a pertença a uma sociedade de advogados. Ficam penas obrigados a afastar-se
dos processos com possível conflito de interesses. Querem uma manifestação mais
evidente de que as teias do recrutamento político estão muito para além das
afinidades familiares?
Com fenómenos e evidências desta natureza não há populismo soft e bem-intencionado
(como o de Marcelo) que funcione como tampão.
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