sábado, 30 de março de 2019

ALELUIAS E AZÁLIAS



(O ritual de mudança da natureza repete-se embora com cambiantes cada vez mais diversificadas. A baixíssima humidade dos últimos dias dá uma sensação de calor que não existe, mas essa combinação trouxe as aleluias e o aparecimento em força das azálias. Tempo para reflexões dispersas nestes sinais de como a Primavera se manifesta aos meus olhos.)

O enredo é conhecido. O PS é useiro e vezeiro em tiros nos pés a partir de posições relativamente confortáveis determinadas por resultados da governação e inépcia da oposição ao centro e à direita em Portugal. No meio de uma medida de grande alcance, os passes sociais, do ponto de vista do seu impacto social fortemente generalizado e do seu significado para uma mobilidade mais sustentável, o PS deixa-se enredar na mais que discutível escolha de Pedro Marques para liderar a lista para as europeias e na questão dos laços e tentáculos familiares na e em torno da governação.

Comecemos pela questão das Europeias, cuja real relevância está na proporção inversa do tom e modo como regra geral o eleitorado se movimenta em Portugal nas Europeias. Tenho de confessar à partida que não morro de amores pelo personagem político Pedro Marques. Não é que o homem me tenha feito alguma desfeita. Acho que nunca nos cruzámos e o seu percurso político até pode ser considerado exemplar no modelo de “subida a pulso”. Mas para mim um político vale a pena quando com ele (a sua personalidade e maneira de ser) ou com as suas ideias consigo gerar alguma empatia. O que não é o caso, mas antes de grande indiferença. Percebe-se que Costa tem para ele traçada uma trajetória de candidatura a um lugar de Comissário Europeu. Felicidades e bom proveito mas em matéria de política regional não conheço pensamento relevante ao ex-ministro. Aliás, se o critério era o de poder mostrar resultados de governação, a Maria Manuel Leitão Marques teria bastante mais que mostrar, desconhecendo se, no ambiente de uma campanha eleitoral com Rangel especializado em morder canelas e outras partes do corpo sob o estímulo de um osso mediático, a ex-ministra da Presidência e da Modernização Administrativa se aguentaria ou não. Ora, não me parece que a popularidade de Pedro Marques em Portugal tenha alguma coisa que ver com a prestação dos Fundos Estruturais e tenho dúvidas se é um candidato com potencial de empatia junto do eleitorado, mesmo tendo em conta a sua prestação no Carnaval de Loulé. Por isso, o PS não vai ter vida fácil nas Europeias e creio mesmo que Rangel trará para o PSD uma prestação bastante acima do que o poder eleitoral de hoje do partido. A saída de Maria João Rodrigues da lista é inócua, pois de discurso redondo estamos nós cheios. Na Europa há que baste. Entretanto, não me imaginaria a lamentar a saída da incontinente verbal Ana Gomes da lista. Mas como vão os tempos acho que uma personalidade política como Ana Gomes faz falta a um Parlamento Europeu muitas vezes refém do politicamente correto e diplomático. Do terceiro lugar na lista de Pedro Silva Pereira nem falo, acho que é brincar com o fogo. Por isso, em meu entender, os resultados do PS nas próximas Europeias tenderão a ser inferiores ao potencial eleitoral atual do partido, penalizando o aquecimento para as legislativas.

Para agravar este contexto e em plena divulgação da medida dos passes sociais, uma das tais medidas que dá para marcar a diferença em relação aos que defendem até ao pescoço a liberalização dos transportes, eis que o PS se deixa enredar no universo do amiguismo e laços familiares na política. Na sua bonomia prática, Jorge Coelho tem razão em admitir que o problema é a dimensão do fenómeno. Neste propósito que a comunicação social encontrou de engrossar o universo há obviamente exageros de imputação. Mas o que mais me impressionou foi a debilidade de algumas das justificações apresentadas por alguns dos visados. A mais pungente e desconcertante foi a carta aberta de Pedro Nuno Santos (PNS) para justificar a presença da sua mulher como chefe de gabinete de Duarte Cordeiro, em regime de trânsito da Câmara de Lisboa para o governo. PNS é apontado (e ele nunca o contrariou) como um elemento liderante de uma ala mais à esquerda do PS, com pontos de contacto com o marxismo. Mas em Portugal os jovens turcos de esquerda são pelos vistos moles de espírito e doces de coração. Alguém imaginaria um marxista ou próximo assinar uma justificação daquele tipo, em tom melado-adocicado?

O problema que subjaz a toda esta controvérsia é um outro, o do afunilamento do recrutamento da classe política que não se vê tender para uma resolução. Os relacionamentos de família fazem parte desse universo e a concentração territorial do país ainda o reforça.

Até porque quando existe uma oportunidade legislativa para criar um ambiente mais saudável a última hora das votações parlamentares traz sempre uma novidade oportunista. PS e PSD entenderam-se recentemente para afastar qualquer possibilidade de vedar aos deputados o exercício em simultâneo do lugar no Parlamento e a pertença a uma sociedade de advogados. Ficam penas obrigados a afastar-se dos processos com possível conflito de interesses. Querem uma manifestação mais evidente de que as teias do recrutamento político estão muito para além das afinidades familiares?

Com fenómenos e evidências desta natureza não há populismo soft e bem-intencionado (como o de Marcelo) que funcione como tampão.

Sem comentários:

Enviar um comentário