(Em transição, como agora se diz no futebol, de Lisboa
para o Porto, tempo apenas para refletir sobre as duas capas do Economist, uma
para consumo interno, outra para leitura no estrangeiro. Entretanto, procuro sem êxito um mero registo que
seja da prestação, ontem, de Martha Argerich e de Stephen Kovacevich na Gulbenkian.)
A nossa imprensa está cada vez mais um vomitado de lugares-comuns e de
bytes para consumo de visualizações ou de papel. Procurei sem sucesso uma
pequena crónica que fosse do concerto magnífico de Argerich e de Kovacevich na
Gulbenkian. Gosto de ir à sala grande da Gulbenkian para apalpar o pulso, salvo
seja a uma elite musical da capital. Tenho de vos confessar que uma das razões é
o amor-próprio de me sentir relativamente novo naquela sala, tamanha é a
magnitude da velhada que ocupa religiosamente aqueles lugares, desta vez felizmente
sem grandes pigarros. A delicadeza e sensibilidade dos temas e da comovente
interpretação do duo Martha – Stephen assim o justificavam. O contraste entre
as Danças Sinfónicas de Rachmaninov e as três peças de Debussy deram ao
concerto uma especial ambiência, que nem a incomodidade de Martha com o jovem
que folheava as pautas para acompanhar a sua prestação logrou perturbar. Creio
que se tratava de um movimento que deveria retirar luz à visão da pauta e que
por várias vezes incomodou a diva. A minha formação musical, débil, débil, não
me permite identificar os dois encores,
de grande cumplicidade entre os dois pianistas, creio que foi Kovacevich a
decidir pelo segundo encore. Aguardo nos próximos dias uma informação salvadora
da minha ignorância. Estou de bem finalmente com minha situação de fervoroso
admirador do talento de Argherich sem nunca a ter visto ao vivo antes.
Quanto às duas capas do Economist, é sintomático que a revista dedique a
sua capa internacional ao perigoso e corrupto Netanyahu, um verdadeiro perigo assente
no nacionalismo musculado, chauvinismo do mais puro e descarado e um agravo permanente
às elites. Netanyahu, Bolsonaro e Trump formam uma tríade de calamitosas ambições
e interrogo-me se poderes mais ocultos não estarão a manobrar por detrás de
tais funestas personalidades chegadas à política.
A capa interna reproduz o que ficará na história política do Reino Unido e
do mundo ocidental em geral como uma das mais sérias manifestações de estupidez
e incompetência política, sobretudo porque os mais capazes e competentes foram
tratar da sua vidinha fora da política. Robert Cooper assinou no Financial
Times de 22 de março de 2019 um artigo de grande alcance (link aqui), trabalhando uma ideia que
me parece muito sugestiva: os britânicos estão a ser vítimas da sua própria
ignorância quanto ao modo de funcionamento das instituições europeias. Tão ciosos
dos seus pergaminhos (sim como o Pacheco Pereira o destaca o Parlamento britânico
é uma instituição mas está hoje cheio de idiotas e incompetentes), os britânicos
nunca se deram ao luxo de explicar a União aos seus cidadãos, jogando permanentemente
na afirmação das suas diferenças. Nunca perceberam e já não estão a tempo de o
compreender que a União é essencialmente um projeto político de segurança para os
países que a integram, caminhando assim a passos largos para a transformação da
farsa em tragédia, com a Teresinha May pronta a imolar-se pelo fogo da demissão
acaso o acordo por ela assinado seja aprovado.
A síntese inicial de Cooper é inspiradora, sem deixar de ser aterradora:
“Bem vindos
à Disneylândia. O Brexiter mais importante Jacob Rees-Mogg está a fazer de Mickey
Mouse ao jeito de aprendiz de feiticeiro de Fantasia; Theresa May é a bruxa
malvada de Branca de Neve -embora com carências em termos de magia. Do outro
lado da lagoa, um ogre malvado conhecido como Donald Trump espera para nos
comer a todos.”
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