(Foi através de um tweet do meu
filho Hugo, que lida mais frequentemente com a sua obra, que dei ontem conta da
morte de Alan B. Krueger, economista e professor em Princeton, ao qual cheguei
há alguns anos pela economia do trabalho. Hoje, à medida que fui contactando com obituários e artigos
na blogosfera e me informei sobre o seu suicídio mais impressão me causou a sua
morte.)
Os economistas, sobretudo os Grandes, os que marcam a profissão e que
influenciam outras gerações de economistas, desafiando-os a ir além dos ombros dos
gigantes, costumam dividir-se em dois grupos: os que se confinam ao desenvolvimento
de quadros teóricos e os que preferem entregar-se ao rigor da análise dos dados
e das evidências, batalhando no sempre exigente isolamento de causas e efeitos.
Há por aí a tentação de, conforme os posicionamentos, associar a um ou outro
destes grupos uma certa menoridade. Assim, por vezes, há quem rotule os
primeiros como portadores do síndrome da adaptação da realidade à teoria e os
segundos como veiculadores de uma deriva econométrica alheando-se da consistência
teórica. Esta separação é errónea, além de precipitada. Por um lado, as
clivagens processam-se no interior de cada daqueles grupos. Assim, nem todos os
economistas teóricos padecem do síndrome da adaptação da realidade à teoria, ou
seja, nem todos padecem de desonestidade intelectual. E também entre os que
trabalham evidências há que separar o trigo do joio. Muitos desses economistas atingem
resultados que são cruciais para interpelar teorias estabelecidas, desafiando a
inércia dos modelos. Mais ainda, muitos e excelentes economistas situam-se na
transição entre os dois mundos.
Alan B. Krueger, proveniente do mundo da economia do trabalho, pertencia ao
grupo de excelência dos economistas que trabalhava o rigor da análise das evidências,
tendo nessa via penetrado outros domínios como os da economia da educação e da
saúde e mesmo mais recentemente em domínios mais inusuais como o da economia da
música. Como creio que aconteceu com outros economistas da minha geração, foi o
artigo de 1994, redigido com David Card, no qual demonstrou perante a
incredulidade de muito boa gente que o aumento do salário mínimo no estado de
New Jersey não tinha qualquer efeito no emprego, pelo menos a curto prazo. O
modelo padrão de ensino da economia do trabalho caía assim por terra, graças a
um meticuloso trabalho de rigor analítico e de tratamento das evidências.
Foi a excelência e o rigor do seu trabalho e métodos de análise empírica que
talvez o tenham levado ao desempenho de funções públicas como economista chefe do
Departamento do Trabalho da presidência de Clinton, como assistente da
Secretaria do Tesouro da presidência Obama e também como presidente do Conselho
de Conselheiros Económico também na administração Obama.
Acho que a síntese de Noah Smith na Bloomberg Opinion retrata bem a dimensão
de Alan B. Krueger (link aqui):
“De muitas maneiras,
o trabalho de Krueger definiu o que é que um moderno economista deve ser. Ele
focou-se infatigavelmente em assuntos de importância imediata e prática. Relacionou-se
constantemente com a melhoria das vidas dos pobres e dos trabalhadores, mas
recusou assumir ingenuamente que os programas destinados para ajudar essas
pessoas produzem sempre os efeitos desejados. Esteve sempre atento às teorias
económicas mais relevantes, mas nunca deixou que estas o condicionassem. Esta
abordagem eclética, humilde, humanista mas prática deu o tom para uma geração
inteira de jovens economistas.”
Mas o obituário do New York Times é também um testemunho de grande
reconhecimento pela obra de Alan B. Krueger (link aqui e aqui para uma resenha
de artigos publicados por Alan Krueger).
As notícias de suicídios sempre me perturbaram e esta não foge à regra,
sobretudo porque se conhece a obra, mas não a pessoa na sua perfeita e irredutível
individualidade.
O Twitter está cheio de sentidas homenagens à pessoa e à obra de Krueger. Entre os múltiplos tweets da
Professora Susan Dynarsky (Michigan University) tocou-me especialmente este (https://twitter.com/dynarski):
“Alan Krueger brought
economics to life for me. His work inspired me to become an economist. He was
not just brilliant, but kind. He engaged deeply with public policy. Tremendous
loss. Please share your memories, whether you knew the man or just his work”
(Alan Krueger trouxe a economia à minha vida. O seu trabalho inspirou-me a ser economista.
Não era apenas brilhante, mas gentil. Ele envolveu-se profundamente com a política
pública. Uma perda tremenda. Partilhem por favor as suas memórias, conheçam o
homem, ou apenas a sua obra).
Assim como a palavra de Obama:
"Ele entendeu a
política económica não como uma matéria de teorias abstratas, mas como uma via
para melhorar as vidas das pessoas. Ele acreditou que os factos, a razão e as
evidências podem tornar a governação mais responsável.”
A irredutível e complexa individualidade humana que nos surpreenderá sempre.
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