Incontornável a ida ao cinema para ver “Snu”, um filme de Patrícia Sequeira que coloca finalmente em cena essa história por cá acontecida há quarenta anos que dividiu a sociedade portuguesa de então e nela deixou marcas ainda por apagar. Um filme que merece ser visto – quer pela sua boa qualidade, com atores genericamente muito bem escolhidos e especial destaque para os que protagonizam as figuras de Francisco Sá Carneiro e Snu Abecassis (Pedro Almendra e Inês Castel-Branco), quer pela forma despretensiosa mas segura como coloca em cena um enredo que é, ainda hoje, tudo menos neutro. Ademais, a oportunidade para uma autorreflexão sobre o modo como as nossas leituras evoluem em função dos tempos e da força dos acontecimentos, seja no tocante à avaliação política e pessoal daquele primeiro-ministro, à notória falta de nexo entre os valores políticos e sociais declarados e os sentimentos pessoais e íntimos mais sinceros ou até à profundeza por vezes ingerível das nossas próprias contradições. Claro que o filme pode ser visto como favorecendo objetivamente o lado da direita contra o da esquerda – veja-se, por exemplo, a dissonância que perpassa entre a razoabilidade evidenciada em Freitas do Amaral e Ribeiro Telles e a intolerância atribuída a Mário Soares – e claro que ele não consegue resolver algo que ficará sempre por elucidar (da dimensão magnética de Francisco Sá Carneiro ao elevado grau de coragem moral que lhe é atribuído – “ética é estar à altura do que nos acontece”) nem a verdadeira medida do caráter e das convicções ostentadas por Snu, a “esperta” dinamarquesa Ebba que adotou Portugal. Pessoalmente, muito gostaria de voltar a estar com Francisco – hoje, o afável filho mais velho do líder do PPD é reconhecidamente um homem de extrema verticalidade e um dos grandes advogados de negócios da nossa praça – e, se possível, de dele obter um testemunho direto e primordial sobre a matéria. Na improbabilidade de que um tal reencontro pudesse ir nesse sentido, fico-me desde já pela afirmação da crença de que a densidade de exigência expectavelmente contida no exercício nobre de uma atividade política não pode nunca sobrepor-se ao absoluto último do que somos.
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