(A América está efervescente. A preparação para uma das
mais decisivas eleições presidenciais (não esquecer que há uma base social de
apoio a Trump), está a agitar as ideias, começando pelo debate à esquerda. Desta vez, a agitação está a estender-se até às
ideias económicas e anda no ar uma grande controvérsia em torno da chamada Modern Monetary Theory- MMT. Por cá, o
esforço de acompanhamento do fervilhar das ideias é sempre duplo e reforçado. Já
custa acompanhar. Mas não chega. É necessário projetar para a economia
portuguesa, o que não é fácil.)
Dá gosto acompanhar o debate das ideias nos EUA. Por vezes, ele é tão rico,
que apetece cruzar o atlântico e levar com a incomodidade abjeta de suportar um
presidente como Trump para viver mais de perto o agitar das ideias.
Como era previsível, a preparação para as próximas presidenciais americanas,
uma espécie de mãe de todas as eleições, vai intensificar o debate das ideias,
começando pelas primárias entre os democratas. Umas primárias que têm na
corrida gente como Elizabeth Warren, Bernie Sanders e veremos quem se perfilará
adicionalmente, gente com coisas consistentes para dizer e bem preparada,
teriam inevitavelmente que agitar o ambiente. Para além da corrida entre os
democratas, há gente nova no partido que tem irrompido na cena política de modo
fulgurante, como Alexandria Ocasio-Cortez, que se tem feito eco de novas ideias
no plano da política económica. Entre as várias questões objeto de maior agitação
está uma, velhinha como o pensamento económico, e que se traduz na simples e
direta questão: como financiar a maior progressividade social com o incremento
de despesa pública que anda associado?
Numa recente entrevista ao BUSINESS INSIDER, a jovem eleita democrata respondeu
assim a essa questão: “Podemos financiá-lo
poupando em despesas que já estamos a realizar. Podemos pagá-lo poupando
dinheiro em despesa militar. Podemos financiá-lo aumentando os impostos dos
mais ricos. Podemos financiá-lo com um imposto de transações. Podemos financiá-lo
com défice público.” E, mais adiante, avança que a ideia da MMT
pode ter uma maior presença nas nossas conversas.
O que parece estar hoje claro é que se tratará de uma eleição, entre democratas
e gerais, na qual as ideias económicas irão ser impactadas e fonte de mudança
de discurso e de projeto. Algo de semelhante aconteceu à direita com a eleição
de Ronald Reagan. Aí germinaram as teorias designadas de “supply side economics” e da curva de Laffer com a tese de que a
descida de impostos teria efeitos significativos em matéria de crescimento,
questão que veio revelar-se bem aquém do esperado.
Não é fácil entrar no debate da MMT. Tenho cerca de 60 páginas de argumentos
contra e a favor à minha espera, expectantes na secretária, para mergulhar no
problema. Por agora interessa-me apenas sinalizar a existência do debate, nunca
perdendo de vista que depois de o compreender será necessário reconvertê-lo para
o âmbito da economia portuguesa.
Na sua essência, a MMT alinha por um padrão de desvalorização dos limites associados
à contração de défices públicos, através da emissão por parte do Banco Central
de moeda para financiar os referidos défices. Como sabemos nestas coisas do
debate das ideias económicas, ideias interessantes de formulação inicial inatacável
tendem por vezes a transformar-se em formulações grotescas e distorcidas.
Neste tipo de debates costumo começar pelas velhas raposas, confiando na
sua sabedoria para me ajudar a marcar os chamados limites da orientação, uma espécie
de avisos à navegação.
Lawrence Summers é uma dessas raposas (link aqui). E tem pensamento fundamentado para o
provar. Summers foi dos primeiros a sinalizar a mudança radical de contexto resultante
de baixas taxas de juro de equilíbrio e da existência de argumentos que apontam
para a permanência de baixas taxas de juro a longo prazo. Nessas condições, Summers,
DeLong e até Blanchard mostraram que o aumento dos défices públicos não
apresenta os conhecidos inconvenientes intergeracionais (penalizando as gerações
vindouras) e de tensões hiperinflacionistas. E ainda caem por terra grande
parte dos argumentos que apontam para o crowding-out
do investimento privado por excesso de endividamento público já que o efeito altista
sobre a taxa de juro não se verifica.
Isto significa que na base da MMT está uma ideia com pés e cabeça. Impõe-se
uma nova perspetiva sobre o argumentário castrador da política fiscal e das
suas margens de manobra.
O que é matéria de controvérsia, e daí o meu interesse em sinalizar o
debate, é extrapolar a partir deste pilar a ideia de que não há qualquer obstáculo
a que os bancos centrais financiem os não limites à despesa pública criadora de
empregos, designadamente através do investimento. Sabemos que a questão não tem
a mesma dimensão com o banco central a financiar-se na moeda que emite ou nos
casos em que não existe soberania monetária.
Voltaremos ao assunto. Até porque a matéria não pode ser automaticamente transposta
para a situação portuguesa. Teremos que a trabalhar antes de fazer essa mudança
de contexto. Oxalá não surja por aí, à esquina, algum tolinho da MMT ansioso
por aplicar a Portugal o sumo de tal debate.
(Alargado em 08.03.2019)
(Alargado em 08.03.2019)
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