quinta-feira, 7 de março de 2019

SINALIZANDO UM DEBATE, APENAS …



(A América está efervescente. A preparação para uma das mais decisivas eleições presidenciais (não esquecer que há uma base social de apoio a Trump), está a agitar as ideias, começando pelo debate à esquerda. Desta vez, a agitação está a estender-se até às ideias económicas e anda no ar uma grande controvérsia em torno da chamada Modern Monetary Theory- MMT. Por cá, o esforço de acompanhamento do fervilhar das ideias é sempre duplo e reforçado. Já custa acompanhar. Mas não chega. É necessário projetar para a economia portuguesa, o que não é fácil.)

Dá gosto acompanhar o debate das ideias nos EUA. Por vezes, ele é tão rico, que apetece cruzar o atlântico e levar com a incomodidade abjeta de suportar um presidente como Trump para viver mais de perto o agitar das ideias.

Como era previsível, a preparação para as próximas presidenciais americanas, uma espécie de mãe de todas as eleições, vai intensificar o debate das ideias, começando pelas primárias entre os democratas. Umas primárias que têm na corrida gente como Elizabeth Warren, Bernie Sanders e veremos quem se perfilará adicionalmente, gente com coisas consistentes para dizer e bem preparada, teriam inevitavelmente que agitar o ambiente. Para além da corrida entre os democratas, há gente nova no partido que tem irrompido na cena política de modo fulgurante, como Alexandria Ocasio-Cortez, que se tem feito eco de novas ideias no plano da política económica. Entre as várias questões objeto de maior agitação está uma, velhinha como o pensamento económico, e que se traduz na simples e direta questão: como financiar a maior progressividade social com o incremento de despesa pública que anda associado?


Numa recente entrevista ao BUSINESS INSIDER, a jovem eleita democrata respondeu assim a essa questão: “Podemos financiá-lo poupando em despesas que já estamos a realizar. Podemos pagá-lo poupando dinheiro em despesa militar. Podemos financiá-lo aumentando os impostos dos mais ricos. Podemos financiá-lo com um imposto de transações. Podemos financiá-lo com défice público.” E, mais adiante, avança que a ideia da MMT pode ter uma maior presença nas nossas conversas.
 
O que parece estar hoje claro é que se tratará de uma eleição, entre democratas e gerais, na qual as ideias económicas irão ser impactadas e fonte de mudança de discurso e de projeto. Algo de semelhante aconteceu à direita com a eleição de Ronald Reagan. Aí germinaram as teorias designadas de “supply side economics” e da curva de Laffer com a tese de que a descida de impostos teria efeitos significativos em matéria de crescimento, questão que veio revelar-se bem aquém do esperado.

Não é fácil entrar no debate da MMT. Tenho cerca de 60 páginas de argumentos contra e a favor à minha espera, expectantes na secretária, para mergulhar no problema. Por agora interessa-me apenas sinalizar a existência do debate, nunca perdendo de vista que depois de o compreender será necessário reconvertê-lo para o âmbito da economia portuguesa.

Na sua essência, a MMT alinha por um padrão de desvalorização dos limites associados à contração de défices públicos, através da emissão por parte do Banco Central de moeda para financiar os referidos défices. Como sabemos nestas coisas do debate das ideias económicas, ideias interessantes de formulação inicial inatacável tendem por vezes a transformar-se em formulações grotescas e distorcidas.

Neste tipo de debates costumo começar pelas velhas raposas, confiando na sua sabedoria para me ajudar a marcar os chamados limites da orientação, uma espécie de avisos à navegação.

Lawrence Summers é uma dessas raposas (link aqui). E tem pensamento fundamentado para o provar. Summers foi dos primeiros a sinalizar a mudança radical de contexto resultante de baixas taxas de juro de equilíbrio e da existência de argumentos que apontam para a permanência de baixas taxas de juro a longo prazo. Nessas condições, Summers, DeLong e até Blanchard mostraram que o aumento dos défices públicos não apresenta os conhecidos inconvenientes intergeracionais (penalizando as gerações vindouras) e de tensões hiperinflacionistas. E ainda caem por terra grande parte dos argumentos que apontam para o crowding-out do investimento privado por excesso de endividamento público já que o efeito altista sobre a taxa de juro não se verifica.

Isto significa que na base da MMT está uma ideia com pés e cabeça. Impõe-se uma nova perspetiva sobre o argumentário castrador da política fiscal e das suas margens de manobra.

O que é matéria de controvérsia, e daí o meu interesse em sinalizar o debate, é extrapolar a partir deste pilar a ideia de que não há qualquer obstáculo a que os bancos centrais financiem os não limites à despesa pública criadora de empregos, designadamente através do investimento. Sabemos que a questão não tem a mesma dimensão com o banco central a financiar-se na moeda que emite ou nos casos em que não existe soberania monetária.

Voltaremos ao assunto. Até porque a matéria não pode ser automaticamente transposta para a situação portuguesa. Teremos que a trabalhar antes de fazer essa mudança de contexto. Oxalá não surja por aí, à esquina, algum tolinho da MMT ansioso por aplicar a Portugal o sumo de tal debate.

(Alargado em 08.03.2019)

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