(Circunstâncias da vida e o convite de amigos
determinaram um pulo de poucos dias a Marraquexe, o coração cosmopolita de
Marrocos. A principal reflexão que vou
amadurecendo por estes dias é a da proximidade da diferença, seja na própria
cidade marroquina seja a uma hora e picos de Lisboa.)
Creio eu que já muito perto dos 70, esse não é o contexto etário ideal para
uma imersão no cosmopolitismo das diferenças de Marraquexe. Uma experiência
noutra idade teria sido mais estimulante, já que a sensibilidade para a
diferença já não é a mesma de outros tempos, o esforço e a apetência existem,
mas como o outro diz a idade não perdoa.
A uma hora e poucos minutos de Lisboa por avião a diferença está aqui à
porta. Por muito problemático que seja o reinado da monarquia marroquina, fico
com a sensação de que a continuidade nos termos de alguma modernidade e
liberdade que tem sido introduzido é crucial para o equilíbrio da vizinhança com
a Europa do sul. É verdade que se identificam na cidade alguns símbolos do
tradicionalismo religioso mais profundo, dos quais a burka feminina é a mais
brutal, aparentemente identificada (estas perspetivas impressivas são sempre
muito discutíveis, diga-se) com os estratos mais pobres. Vi imensas pedintes na
rua com burka, o que não permite por si só avançar para uma correlação.
Mas o que mais impressiona em Marraquexe é a profundidade dos contrastes
observáveis por exemplo entre a cidade nova dos “boulevards” traçados à
francesa e urbanizada em função dessas espinhas dorsais e a Marraquexe da
Medina em torno da mítica praça de Jamma El Fna, do sul da praça, dos pequenos
comerciantes do Kasbah aos labirintos dos pequenos negócios dos Souks. A mítica
praça de Jamma El Fna continua turística como sempre, no seu ritmo biológico
diário do princípio da tarde ao apogeu da noite. Os contrastes gritantes entre
o recato das burkas e do vestir contido e recatado das mulheres e a exuberância
dos corpos das turistas e das marroquinas mais endinheiradas são uma constante por
tudo que é recanto com maior densidade de visitantes.
Na cidade nova são visíveis os diferentes ciclos de investimento
infraestrutural e imobiliário. Os produtos dos anos 80 e 90 começam a dar
sinais de necessidade de renovação, que se vai pressentindo, ao passo que os
ciclos mais recentes revelam ainda sinais de pujança.
Na cidade velha, do Kasbah aos “souks”
dos diferentes ofícios ao prodígio cromático das especiarias que salta aos
olhos do mais insensível, passando pelos pequenos negócios da Jemaa El Fna, impressiona
a multiplicidade dos agentes e a irritante densidade de motoretas, lambretas e
motorizadas em verdadeiros equilíbrios de mobilidade pelo labirinto das ruelas
e becos. Mas interrogo-me quanto ao significado destes mercados com uma
multiplicidade de candidatos a uma migalha de procura. Serão estes pequenos negócios
mercados de sobrevivência, com rendimentos gerados que devem aproximar-se da
simples subsistência familiar? Mas quando se percebe em alguns desses negócios
a dimensão dos stocks que os
sustentam dúvidas surgem sobre que rendimentos estarão eles a gerar.
Hoje, sexta-feira, dia de preces, impressiona a densidade de crentes.
Com todo o respeito por essa religiosidade, da mais regular à mais
tradicional, não posso deixar que sinto falta de um copo de vinho.
(Corrigido em 23.03.2019)
(Corrigido em 23.03.2019)
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