sexta-feira, 22 de março de 2019

APENAS A UMA HORA E POUCO …



(Circunstâncias da vida e o convite de amigos determinaram um pulo de poucos dias a Marraquexe, o coração cosmopolita de Marrocos. A principal reflexão que vou amadurecendo por estes dias é a da proximidade da diferença, seja na própria cidade marroquina seja a uma hora e picos de Lisboa.)

Creio eu que já muito perto dos 70, esse não é o contexto etário ideal para uma imersão no cosmopolitismo das diferenças de Marraquexe. Uma experiência noutra idade teria sido mais estimulante, já que a sensibilidade para a diferença já não é a mesma de outros tempos, o esforço e a apetência existem, mas como o outro diz a idade não perdoa.

A uma hora e poucos minutos de Lisboa por avião a diferença está aqui à porta. Por muito problemático que seja o reinado da monarquia marroquina, fico com a sensação de que a continuidade nos termos de alguma modernidade e liberdade que tem sido introduzido é crucial para o equilíbrio da vizinhança com a Europa do sul. É verdade que se identificam na cidade alguns símbolos do tradicionalismo religioso mais profundo, dos quais a burka feminina é a mais brutal, aparentemente identificada (estas perspetivas impressivas são sempre muito discutíveis, diga-se) com os estratos mais pobres. Vi imensas pedintes na rua com burka, o que não permite por si só avançar para uma correlação.

Mas o que mais impressiona em Marraquexe é a profundidade dos contrastes observáveis por exemplo entre a cidade nova dos “boulevards” traçados à francesa e urbanizada em função dessas espinhas dorsais e a Marraquexe da Medina em torno da mítica praça de Jamma El Fna, do sul da praça, dos pequenos comerciantes do Kasbah aos labirintos dos pequenos negócios dos Souks. A mítica praça de Jamma El Fna continua turística como sempre, no seu ritmo biológico diário do princípio da tarde ao apogeu da noite. Os contrastes gritantes entre o recato das burkas e do vestir contido e recatado das mulheres e a exuberância dos corpos das turistas e das marroquinas mais endinheiradas são uma constante por tudo que é recanto com maior densidade de visitantes.

Na cidade nova são visíveis os diferentes ciclos de investimento infraestrutural e imobiliário. Os produtos dos anos 80 e 90 começam a dar sinais de necessidade de renovação, que se vai pressentindo, ao passo que os ciclos mais recentes revelam ainda sinais de pujança.

Na cidade velha, do Kasbah aos “souks” dos diferentes ofícios ao prodígio cromático das especiarias que salta aos olhos do mais insensível, passando pelos pequenos negócios da Jemaa El Fna, impressiona a multiplicidade dos agentes e a irritante densidade de motoretas, lambretas e motorizadas em verdadeiros equilíbrios de mobilidade pelo labirinto das ruelas e becos. Mas interrogo-me quanto ao significado destes mercados com uma multiplicidade de candidatos a uma migalha de procura. Serão estes pequenos negócios mercados de sobrevivência, com rendimentos gerados que devem aproximar-se da simples subsistência familiar? Mas quando se percebe em alguns desses negócios a dimensão dos stocks que os sustentam dúvidas surgem sobre que rendimentos estarão eles a gerar.

Hoje, sexta-feira, dia de preces, impressiona a densidade de crentes.

Com todo o respeito por essa religiosidade, da mais regular à mais tradicional, não posso deixar que sinto falta de um copo de vinho.

(Corrigido em 23.03.2019)

Sem comentários:

Enviar um comentário