quarta-feira, 6 de março de 2019

O ALERTA DE MARTIN WOLF

(Financial Times)

(O conhecimento que o economista e cronista do Financial Times Martin Wolf tem da economia mundial e da economia europeia em particular justifica que os seus alertas tenham mais peso do que outros. A matéria é importante: em tempo de fortes perspetivas de uma desaceleração da economia mundial é altura do BCE fazer um travão aos seus estímulos de compra de ativos?)

Martin Wolf tem-se notabilizado nos últimos tempos por lúcidas análises dos desequilíbrios na economia mundial e particularmente pela permanente denúncia das condições de vulnerabilidade da economia da União Europeia e da zona Euro a choques determinados por recessões da economia mundial. O economista do Financial Times (link aqui) não faz mais do que trabalhar evidências acessíveis a todos. A regularidade com que as previsões macroeconómicas têm sido alteradas em baixa na zona Euro, o modesto crescimento económico da China (face aos ritmos a que estávamos habituados) e algumas interrogações que ainda pesam sobre a economia americana geradas pelas tropelias da peculiar política económica e comercial externa de Trump apontam para a eminência de uma possível quebra de atividade na economia mundial. Não se conhece como é óbvio a extensão dessa possível recessão, que sabemos existir quando em dois trimestres sucessivos existe uma quebra de produto.

Tal como noutros períodos similares, não existe uma locomotiva óbvia do crescimento mundial. Mas, mais importante do que esse reconhecimento, é a convicção de Wolf de que a zona Euro é, entre os grandes blocos económicos, o que revela maior vulnerabilidade a qualquer choque determinado pela quebra de ritmo de crescimento da economia mundial. Como sabemos, a economia alemã continua pela sua orientação exportadora vulnerável a esse tipo de evolução da procura mundial. E, pior do que isso, sabemos que a orientação extrovertida que o pós crise trouxe para as economias do sul da Europa, a braços com a necessidade de reduzir o peso da sua dívida, entre as quais Portugal introduz outro tipo de vulnerabilidade, dir-se-ia interposta pela vulnerabilidade da Alemanha. Por isso, será melhor evitar do que tentar avaliar se um segundo choque recessivo na zona Euro determinará ou não o mesmo tipo de efeitos perniciosos que conduziram à crise das dívidas soberanas.

Ora, por mais paradoxal que isso nos possa parecer, é neste ambiente nebuloso e carregado que o BCE se prepara para terminar com o seu programa de estímulos. O que pode agravar a capacidade do BCE reagir na sua margem de influência a uma possível recessão na zona Euro. Wolf mostra que a decisão em causa resulta mais de resposta a constrangimentos político-legais do que propriamente de uma avaliação da situação macroeconómica. O BCE está limitado na sua ação por regras como o peso dos emitentes de dívida soberana no seu capital e como o peso das responsabilidades de países concretos no total dos ativos do banco. O que significa que quanto provavelmente mais necessitaria de o fazer, o BCE está limitado nas compras em grande escala de ativos.

Como é sobejamente conhecido, a possibilidade de uma expansão fiscal harmonizada na zona Euro poderia constituir uma solução, mas não seria ao BCE que caberia essa responsabilidade. Wolf refere que, quanto muito, o BCE poderia comprar títulos emitidos por alguma instituição europeia, como por exemplo, o BEI para financiar grandes projetos de investimento.

Moral da história, a construção europeia e do Euro continuam penalizadas por defeitos de construção e não parece haver à vista obras de reparação convincentes. É tempo por isso da gestão macroeconómica cá pelo reino começar a assumir um tom de cautela.

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