(Financial Times)
(O conhecimento que o economista e cronista do Financial Times
Martin Wolf tem da economia mundial e da economia europeia em particular justifica
que os seus alertas tenham mais peso do que outros. A matéria é importante: em tempo de fortes perspetivas
de uma desaceleração da economia mundial é altura do BCE fazer um travão aos
seus estímulos de compra de ativos?)
Martin Wolf tem-se notabilizado nos últimos tempos por lúcidas análises dos
desequilíbrios na economia mundial e particularmente pela permanente denúncia
das condições de vulnerabilidade da economia da União Europeia e da zona Euro a
choques determinados por recessões da economia mundial. O economista do Financial
Times (link aqui) não faz mais do que trabalhar evidências acessíveis a todos. A
regularidade com que as previsões macroeconómicas têm sido alteradas em baixa na
zona Euro, o modesto crescimento económico da China (face aos ritmos a que estávamos
habituados) e algumas interrogações que ainda pesam sobre a economia americana geradas
pelas tropelias da peculiar política económica e comercial externa de Trump apontam
para a eminência de uma possível quebra de atividade na economia mundial. Não
se conhece como é óbvio a extensão dessa possível recessão, que sabemos existir
quando em dois trimestres sucessivos existe uma quebra de produto.
Tal como noutros períodos similares, não existe uma locomotiva óbvia do
crescimento mundial. Mas, mais importante do que esse reconhecimento, é a
convicção de Wolf de que a zona Euro é, entre os grandes blocos económicos, o que
revela maior vulnerabilidade a qualquer choque determinado pela quebra de ritmo
de crescimento da economia mundial. Como sabemos, a economia alemã continua
pela sua orientação exportadora vulnerável a esse tipo de evolução da procura
mundial. E, pior do que isso, sabemos que a orientação extrovertida que o pós
crise trouxe para as economias do sul da Europa, a braços com a necessidade de
reduzir o peso da sua dívida, entre as quais Portugal introduz outro tipo de
vulnerabilidade, dir-se-ia interposta pela vulnerabilidade da Alemanha. Por
isso, será melhor evitar do que tentar avaliar se um segundo choque recessivo
na zona Euro determinará ou não o mesmo tipo de efeitos perniciosos que conduziram
à crise das dívidas soberanas.
Ora, por mais paradoxal que isso nos possa parecer, é neste ambiente nebuloso
e carregado que o BCE se prepara para terminar com o seu programa de estímulos.
O que pode agravar a capacidade do BCE reagir na sua margem de influência a uma
possível recessão na zona Euro. Wolf mostra que a decisão em causa resulta mais
de resposta a constrangimentos político-legais do que propriamente de uma
avaliação da situação macroeconómica. O BCE está limitado na sua ação por regras
como o peso dos emitentes de dívida soberana no seu capital e como o peso das
responsabilidades de países concretos no total dos ativos do banco. O que
significa que quanto provavelmente mais necessitaria de o fazer, o BCE está limitado
nas compras em grande escala de ativos.
Como é sobejamente conhecido, a possibilidade de uma expansão fiscal harmonizada
na zona Euro poderia constituir uma solução, mas não seria ao BCE que caberia
essa responsabilidade. Wolf refere que, quanto muito, o BCE poderia comprar títulos
emitidos por alguma instituição europeia, como por exemplo, o BEI para
financiar grandes projetos de investimento.
Moral da história, a construção europeia e do Euro continuam penalizadas
por defeitos de construção e não parece haver à vista obras de reparação
convincentes. É tempo por isso da gestão macroeconómica cá pelo reino começar a
assumir um tom de cautela.
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