(Quase no fim deste domingo e deste mês de março contacto
com as notícias de vários jornais espanhóis sobre a grande manifestação em
Madrid de representantes da Espanha despovoada. Se outro argumento não existisse, este mostraria
como são diferentes os dois países vizinhos em matéria de reação política a tendências
adversas.)
Há uns anos encontrei registos de referências nada elogiosas de Unamuno ao
caráter dos Portugueses, algo de similar a acusar-nos de falta de espinha para
grandes reações. Já não consigo situar a origem dessas referências, mas creio
que foi num texto de Boaventura Sousa Santos em que o Professor coimbrão
criticava análises não sociológicas do comportamento e caracterização dos povos.
Para o caso não interessa se a memória me atraiçoa.
A grande manifestação organizada em Madrid por dois movimentos cívicos provenientes
do interior mais profundo de Espanha, Teruel em Aragão (que visitei há já
muitos anos numa missão para a Comissão Europeia) e Soria em Castilla y León
que bem conheço de algumas viagens de carro para a Catalunha atravessando a Espanha,
foi apelidada por alguns jornais de a “revolta da Espanha esvaziada” e terá
reunido entre 50.000 a 100.000 pessoas.
A manifestação deu para divulgar um caderno reivindicativo dos que se recusam
a ser engolidos pelos processos de sucção que as grandes aglomerações metropolitanas,
com destaque para a de Madrid, estão a exercer sobre vastas zonas do território
espanhol mais interior.
As democracias europeias estão a lidar mal com as questões da justiça territorial,
com os Fundos Estruturais e de Investimento Europeus a contribuir para essa dinâmica
de esvaziamento. Querer que a política regional se renda aos objetivos da competitividade
e esperar daí que a coesão territorial nasça espontaneamente é do pior cinismo
que tenho visto nos últimos tempos.
O problema só não tem cambiantes mais negros noutros territórios europeus porque
o investimento público, e não o mercado entenda-se, tem compensado essas lacunas
e ocultado o esvaziamento contribuindo para a fixação de alguma dinâmica.
Não sei se em algum dia uma manifestação desta força e natureza será possível
neste Portugal invertebrado para ceder ao desprezo de Unamuno. Razões para essa
manifestação abundam e são diversas e os acontecimentos dos dois últimos verões
florestais transportam para o problema uma dimensão trágica.
Não sei o que será preciso para levar à rua o interior que se esvazia. Ou
será que os que alimentaram esses fluxos de esvaziamento já perderam a consciência
crítica?
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