domingo, 31 de março de 2019

A “REVOLTA” DA ESPANHA DESPOVOADA



(Quase no fim deste domingo e deste mês de março contacto com as notícias de vários jornais espanhóis sobre a grande manifestação em Madrid de representantes da Espanha despovoada. Se outro argumento não existisse, este mostraria como são diferentes os dois países vizinhos em matéria de reação política a tendências adversas.)

Há uns anos encontrei registos de referências nada elogiosas de Unamuno ao caráter dos Portugueses, algo de similar a acusar-nos de falta de espinha para grandes reações. Já não consigo situar a origem dessas referências, mas creio que foi num texto de Boaventura Sousa Santos em que o Professor coimbrão criticava análises não sociológicas do comportamento e caracterização dos povos. Para o caso não interessa se a memória me atraiçoa.

A grande manifestação organizada em Madrid por dois movimentos cívicos provenientes do interior mais profundo de Espanha, Teruel em Aragão (que visitei há já muitos anos numa missão para a Comissão Europeia) e Soria em Castilla y León que bem conheço de algumas viagens de carro para a Catalunha atravessando a Espanha, foi apelidada por alguns jornais de a “revolta da Espanha esvaziada” e terá reunido entre 50.000 a 100.000 pessoas.

A manifestação deu para divulgar um caderno reivindicativo dos que se recusam a ser engolidos pelos processos de sucção que as grandes aglomerações metropolitanas, com destaque para a de Madrid, estão a exercer sobre vastas zonas do território espanhol mais interior.

As democracias europeias estão a lidar mal com as questões da justiça territorial, com os Fundos Estruturais e de Investimento Europeus a contribuir para essa dinâmica de esvaziamento. Querer que a política regional se renda aos objetivos da competitividade e esperar daí que a coesão territorial nasça espontaneamente é do pior cinismo que tenho visto nos últimos tempos.

O problema só não tem cambiantes mais negros noutros territórios europeus porque o investimento público, e não o mercado entenda-se, tem compensado essas lacunas e ocultado o esvaziamento contribuindo para a fixação de alguma dinâmica.

Não sei se em algum dia uma manifestação desta força e natureza será possível neste Portugal invertebrado para ceder ao desprezo de Unamuno. Razões para essa manifestação abundam e são diversas e os acontecimentos dos dois últimos verões florestais transportam para o problema uma dimensão trágica.

Não sei o que será preciso para levar à rua o interior que se esvazia. Ou será que os que alimentaram esses fluxos de esvaziamento já perderam a consciência crítica?

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