(A banca e os seus pontos mais obscuros, do passado e do
presente, consolidam-se como um dos fatores mais nocivos da degenerescência da
perceção que os cidadãos constroem da política em democracia. A saga do BES-Novo Banco tem-se encarregado de
prolongar no tempo essa ameaça.)
Se nos quisermos entregar a um exercício de curiosidade, não
necessariamente mórbida, de mapear o posicionamento da sociedade portuguesa que
se pronuncia nos jornais, na televisão, na rádio, nas redes sociais no que
respeita ao terreno minado do BES não será difícil identificar os que, com
jeitinho, poderiam branquear as malfeitorias dos senhores do BES. Diria mesmo
que, a pretexto das falhas da regulação e supervisão e da desgraçada
experimentação da figura da Resolução, esse número é bem mais elevado do que os
procuram, porfiadamente, dizer que os grandes senhores disto tudo iam nuzinhos
de todo. Tenho para mim que muito da boa gente que nesta sociedade portuguesa
que gosta de estar próximo do poder, não do que governa, mas do que manda,
estaria disposta a desculpar Ricardo Salgado e seus artesãos de falcatruas a
troco da crucificação do abnegado, por vezes desorientado e cada vez mais
isolado Governador do Banco de Portugal, apesar da sua justa última vitória em
sede de Tribunal Administrativo.
Claro que para toda esta hipocrisia de pacotilha muito contribuiu a
experiência da Resolução e não tenho visto até agora qualquer perspetiva
crítica desassombrada sobre esta colocação de Portugal em situação de cobaia
laboratorial. Para o fazer o BCE não pode ficar fora da fotografia. O mentor do
crime, que eu saiba, é tão culpado como o que executou a medida do mandante e
aqui nem PSD nem PP nem o próprio PS podem sacudir a água do capote. O problema
é que para qualquer um de boa-fé a nacionalização da banca deixou recordações
traumáticas e a experiência Socrática da Caixa Geral de Depósitos assusta e
incomoda. Por isso, tenho de concordar que entre a liquidação do banco, a sua
nacionalização para uma eventual venda futura e a desconhecida figura da
resolução a decisão implicaria sempre um desgaste de grandes proporções. Por outro
lado, aparentemente a solução da Resolução tinha lógica. Tratava-se de sujeitar
a banca a pagar os desmandos de alguns dos seus pares. Mas quando entre esses
pares há exemplos de quem procurou avisar em devido tempo de que algo se
passava na prática do BES as complicações aumentam. E, mais ainda, quando um
dos pares é um banco público, a CGD, toda a conversa a partir daí é tudo menos
linear. Os fenómenos de “risco moral” (moral
hazard) têm aqui um campo fértil. Os resgates beneficiam sempre os
infratores, sejam eles pagos à custa do Estado, ou à custa dos pares. Mas
apesar de todas estas interrogações, admito que a intervenção pública direta no
BES tivesse sido mais disciplinadora, mas com o jogo quase acabado é mais fácil
opinar.
O principal fator de perturbação é o que se tem passado no pós-Resolução. A
venda ao Lone Star é toda ela um prodígio de hipocrisia. Também aqui, embora o
queiram dissimular, PSD, PS e Banco de Portugal estão enterrados até ao
pescoço. Estamos a propiciar à luz do dia uma claríssima transferência de
recursos do sistema financeiro português para o exterior à luz sabe-se lá que
princípios. Gostaria também de compreender as imparidades agora (???)
descobertas no Novo Banco. Atendendo à situação económica vivida após a venda,
não me parece que tais imparidades estejam associadas a um risco bancário
normal. São fantasmas do passado, culpas pesadas que estavam no armário do BES
e que foram colocados sabe-se lá com que critérios no chamado “banco bom”. À
medida que se vai conhecendo melhor o que estava debaixo do tapete,
compreende-se que os resgates do sistema financeiro em Espanha e na Irlanda
foram mais acutilantes e menos para impressionar o contribuinte. Ou seja, a
competência reinante no nosso sistema financeiro deixa algo a desejar e está
pelo menos em desconformidade com a sua prosápia e política autoassumida de
remunerações e benesses.
Bem pode o inefável Jorge Coelho a pregar agora no Circulatura que não há
economia com desempenho elevado que não assente num sistema financeiro à prova
de qualquer suspeita. Mas o que é importante não esquecer são os custos que os
Portugueses têm vindo a suportar para assegurar essas condições. Começam a
estar para além do que é tolerável em democracia. Aliás, hoje, com a situação
macroeconómica a evoluir como é conhecido, as interrogações sobre a
persistência de situações menos claras na banca é fonte de contínua
deterioração da confiança nas instituições políticas da democracia. É um custo
que não está estimado. Para cúmulo, a aplicação da justiça continua lenta, com
a recente decisão do Tribunal Administrativo a amenizar a frustração. Por mais
dúvidas que possa alimentar quanto à eficácia da supervisão de todos estes
processos, recuso-me a colocar no mesmo plano as culpas do regulador e do
infrator. Não estão ao mesmo nível, como o pretendem os branqueadores de
serviço das práticas do “Senhor disto tudo”.
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