quinta-feira, 10 de setembro de 2020

COMO OS EPIDEMIOLOGISTAS SE TRANSFORMAM EM ECONOMISTAS DE PREVISÃO

 

(Na linha de outras reflexões trazidas a este blogue em torno do que poderíamos designar de economia pandémica, convoco a singela entrevista de Barry Eichengreen ao El País. O economista americano da Universidade de Berkeley olha para o estado recessivo da economia global e para a diversidade de estímulos à atividade económica e expressa a notória limitação dos economistas para prever o que teremos pela frente nos tempos mais próximos.)

A ideia central da entrevista pode ser resumida nesta resposta de Eichengreen à questão de qual vai a ser a forma assumida pela recuperação (link aqui):

“Aprendemos que a forma da recuperação dependerá da evolução do vírus e isso é algo que um epidemiologista pode prever melhor do que um economista. Se ele continuar a estar contido na Europa e na Ásia e nos EUA fora de controlo, poderemos antecipar uma recuperação em forma de V do tipo do logo da Nike. Se houver novos surtos no hemisfério norte então a recuperação será em W. Estamos perante uma crise diferente de qualquer outra.”

Os economistas estão rotinados para analisar a resposta das economias a choques, que regra geral não geram recessões sincrónicas. Regra geral esses choques resultam de um evento, acontecimento ou qualquer outra origem com repercussões na oferta global da economia ou na procura. Mas regra geral também não são choques de persistência prolongada, o que permite aos mecanismos económicos recuperar o domínio sobre o modo como o consumo, o investimento ou as exportações reagirão. Neste caso, o choque pandémico constitui ele próprio nas condições de conhecimento científico existente sobre as suas incidência e causas um fator de imprevisibilidade absoluta, permitindo quando muito alguma cenarização contingencial. Bem podem os líderes políticos como o primeiro-Ministro português afirmarem solenemente que a sociedade não voltará a ser globalmente confinada. É uma opção. Mas ela não gera por si só a recuperação sustentada das economias. Poderá permitir não rebaixar o nível de produto e de emprego a partir do qual a recuperação terá de acontecer. Mas a recuperação sustentada depende da contenção do vírus, porque só por essa via a confiança de consumidores e investidores será plenamente restabelecida.

Os tontinhos libertários que se recusam às medidas de proteção pensam, com exceção dos negacionistas que não consigo classificar, que com essa atitude aceleram a recuperação das respetivas economias. Pura incredulidade. Com essa atitude vão atrasar a contenção do vírus e por essa via adiar a recuperação, ou seja produzindo rigorosamente o contrário do que lhes estava na cabeça.

Ao longo de toda uma vida profissional e académica alinhei sempre com os que rejeitam a soberania disciplinar da economia, realçando os seus poderes limitados. Mesmo no período de passagem pelo marxismo, nunca aderi ao determinismo materialista que por aquela família também imperava. Os poderes limitados que atribuía à economia baseavam-se essencialmente nos princípios da interdisciplinaridade e na propensão para ver a economia mais como uma ciência social e menos como uma disciplina de leis rigorosas independentes do contexto histórico e institucional.

Hoje, a limitação da economia é de natureza diferente. A influência do vírus mina os fundamentos da economia, seja afetando duradouramente a oferta, seja mantendo a procura muito abaixo do seu potencial. E como temos visto no transporte aéreo o vírus pode mesmo transformar totalmente atividades inteiras. Neste ambiente de poderes limitados, os economistas sábios são aqueles que se limitam eles próprios a afirmar apenas o que essa economia limitada lhes permite. Eichengreen está entre grupo dos economistas sábios e diz-nos uma coisa simples: existe ainda uma grande margem de erro tanto maior quanto mais cedo e precocemente se pretender reduzir os estímulos fiscais.

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