(El Español)
(O estimulante Diretor do El Español, Pedro J. Ramírez, continua a sua senda de denúncia dos podres mais incómodos da democracia espanhola, não poupando ninguém a partir de um dos mais populares, e com mais ampla distribuição, diários digitais do país vizinho, depois da sua saída do El Mundo. Com o mais completo desatino que a sociedade espanhola atravessa e com uma das mais erráticas gestões da pandemia que se conhece, parece violento colocar a nu neste momento este tipo de desvarios na vizinha Espanha. Mas o papel da imprensa é este, fundamentalmente este, esperando algum dia que alguém em Portugal, sem necessidade de processos “hackerianos”, possa clarificar os aspetos mais nebulosos da democracia portuguesa.)
Quando Mariano Rajoy abandonou o governo espanhol pela ascensão ao poder do PSOE por uma via exclusivamente político-parlamentar sem recurso a eleições, fiquei na altura com a sensação de que o ex-líder do PP desejaria avidamente recuperar o fôlego de uma vida fora da pressão mediática. Quando pouco tempo depois tomei conhecimento do regresso de Rajoy ao seu emprego público na área do registo predial e que esperou pacientemente a passagem do tempo para uma transferência que garantiria maior proximidade ao seu local de residência, mais convencido fiquei do que na altura me parecia uma evidência. O estilo da política espanhola que se avizinhava com a também saída da corrida à liderança do PP de Soraya de Sáenz de Santamaría para ingresso num grande escritório de advogados parecia-me incompatível com o registo de baixo perfil do político Galego. Por isso, o cargo burocrático do registo predial combinado com as férias pacatas na Galiza pareciam-me o estilo ideal de retirada para um já cansado Rajoy.
Entretanto, as matérias do financiamento partidário do PP continuavam nebulosas como sempre. As nuvens adensaram-se quando estalou o caso Barcenas, uma espécie de contabilista do PP que sabia demais e que pôs a boca no trombone para explicar uns movimentos estranhos que passavam por contas no estrangeiro e todo o rol de manigâncias de que estas coisas costumam versar. Tenho refletido sobre o facto de em plena revolução digital e com a tecnologia a fazer rasteiras e imparáveis fintas de corpo a fiscais, polícias e reguladores, haver sempre nestes casos a evidência do papel, das folhas, dos cadernos e dos livros. No caso BES também se falou de um livro, uma espécie de RAZÃO (no sentido contabilístico do termo) SUPREMO, que estará desaparecido em parte incerta, provavelmente destruído por outro personagem também desaparecido nas brumas de qualquer paraíso turístico, com infraestrutura fiscal associada (2 em 1). No caso Barcenas, as folhas também apareceram e nas mesmas falou-se muito da referência a um Senhor X, que nunca foi rigorosamente identificado. Lembro-me de ter comprado na altura imensos exemplares do El Mundo, com a digitalização de muitas das tais folhas e dos registos manuais que o contabilista que sabia demais (título excelente para um filme de arrasar).
Onde é que entra nesta história o atual diretor do El Español, que se sabe hoje ter sido afastado da direção do El Mundo porque, a troco de algo que não é totalmente conhecido, a direção do então El Mundo, ao contrário da que no Washington defendeu os seus jornalistas, cedeu às pressões do poder e despachou Ramírez com uma chicotada psicológica?
O artigo-crónica que Pedro J. Ramírez assinou ontem no El Español, provocatoriamente intitulado “Pesadilla en la cocina” (link aqui) é demolidor, como o já tinham sido as suas incursões no caso dos GAL (terrorismo de Estado) que envolveu Felipe González e, mais recentemente, as incursões pelos mundos da corrupção do ex-monarca Juan Carlos. O envolvimento de Rajoy no caso Barcenas é fulcral no desenvolvimento da crónica, sendo agora possível compreender o exercício gigantesco de proteção política a Rajoy que Soraya de Sáenz de Santamaría assumiu durante o foco da investigação do El Mundo.
Ramírez situa o clímax da crónica no dia 1 de agosto de 2013, manhã em que Rajoy arremete no Parlamento contra o El Mundo acusando o jornal de manipulação e dia em que funcionários do Ministério do Interior vigiaram de perto o almoço do jornalista com a mulher e filho de Barcenas. Ao contrário do que Rajoy pretendeu convencer os espanhóis, Barcenas integrava ainda os quadros do PP quando as operações se desenrolaram. A vigilância intimidatória a que o então diretor do El Mundo foi submetido a partir desse dia está agora a ser investigada, sem que Pablo Casado possa fazer alguma coisa em defesa do seu último líder. Rajoy será ouvido na justiça, assim como o Ministro do Interior de então Fernández Díaz e muito provavelmente também a ministra Cospedal. O confronto com o caso Watergate no que respeita à defesa do diretor do Washington Post e à desproteção de Ramírez no El Mundo é talvez o aspeto mais relevante do ponto de vista do que muitos consideram a queda irreversível do modelo de liberdade de imprensa que o El Mundo pretendia representar.
Pressinto que o regresso de Rajoy ao seu emprego burocrático não terá o conforto e isolamento que o ex-líder do PP pretenderia assegurar e dificilmente a partir da sua tribuna editorial no El Español Pedro Ramírez largará o assunto. Há quem faça analogias entre o projeto do El Español e do Observador em Portugal. Tenho associado o El Español a uma tentativa de reedição do estilo inicial do El Mundo e o próprio Ramírez não esconde que a solução política para Espanha estaria numa coligação PSOE-PP e Ciudadanos, que eu interpretei como representativa de uma direita espanhola empresarial e moderna. Não sigo o jornal com o pormenor diário para perceber se também pelas bandas do El Español circulam personagens da direita alt-right que escrevem na opinião do Observador, caracterizada por um ressabiamento estrutural contra tudo que é socialismo em Portugal. Mas bastar-me-ia a frontalidade de um editorial como o de ontem escrito por Pedro Ramírez para justificar a minha atenção e, depois, já sou bem crescidinho para peneirar o que se escreve num jornal.
Caro D. Mariano, creio que as próximas férias de verão pela Galiza, desejavelmente já liberta da ameaça pandémica, não vão correr com a distensão desejada a alguém que se retira da vida política. Mas isto de intuir acertadamente as companhias em política tem que se lhe diga e está transformado numa competência de eleição. Que o digam António Costa e os subscritores de Comissões de Honra.
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