segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O NOSSO PLANEAMENTO


Foi do meu ponto de vista trágico que tenham sido economistas com agendas pessoais muito próprias e opções ideológicas assumidamente situadas à direita a virem a público no sentido de se pronunciarem desalinhadamente em relação ao chamado Plano Costa Silva, essa ideia peregrina que afinal mais não serviu do que para que o Governo ganhasse tempo, alimentando a opinião pública com propostas de todas as formas e feitios e servindo todos os gostos, enfaticamente apresentadas pelo seu autor como invariavelmente fundamentais, cruciais e vitais e com muita cultura de lombada à mistura. Não estando em causa a qualificação intelectual e os alargados conhecimentos da figura em causa, nem a sua certamente positiva intencionalidade, foi verdadeiramente pungente assistir ao modo como a maioria dos nossos especialistas e comentadores comeram e calaram, quando não aplaudiram com aparente convicção, e pouco ou nada tiveram para trazer à reflexão crítica em torno de uma matéria determinante para o futuro da nossa economia e sociedade. Enfim, apenas uma reiterada e inequívoca demonstração da fragilidade das nossas elites políticas, académicas e demais.

 

Agora que o Governo entende que já se encontrou, anunciando que vai optar por dedicar uma larga parte dos 12,9 mil milhões de euros das subvenções do nosso Plano de Recuperação e Resiliência ao financiamento de políticas com menor cabimento nos fundos estruturais tradicionais – ao que se diz, definiu nesta linha três blocos principais de medidas: de resiliência (7200 milhões, sendo 3200 para aplicação em respostas às vulnerabilidades sociais, designadamente em SNS, políticas sociais e habitação), de transição climática (2700 milhões) e de transição digital (3000 milhões) –, Costa Silva prosseguirá e até recrudescerá as suas professorais aparições (a propósito, chamo a atenção para que Quinta-Feira virá ao Porto a convite da SEDES) no quadro de uma utilidade em inevitável decréscimo que não para meros e pontuais fins de chancela político-mediática.

 

Esta semana, as traves-mestras do dito Plano de Recuperação e Resiliência estiveram na Assembleia da República, onde tristemente beneficiaram também de uma quase total ausência de capacidade de proposta por parte do conjunto dos deputados presentes. Ainda assim, alguém por lá disse que era preciso meter as empresas naquilo, uma nota que tem tanto de óbvio quanto teria de ter de maior exigência em termos de equacionação das consequentes formas e instrumentos concretos. Assim, e com toda a gente que tem responsabilidades atribuídas a fazer mais ou menos de conta que sabe o que anda a inventar, com os observadores a fingirem-se bem sabedores de que tudo está a ser devidamente preparado para aplicar a magnífica “bazuca”, com os “suspeitos do costume” a assumirem-se como senhores do quinhão que sabem que lhes será necessariamente garantido (até para disfarce da concentração do essencial restante em obras grandiosas ou megalómanas, também para fazer funcionar o obrigatório ricochete – quase que podíamos falar de uma espécie de spillover  em favor dos países contribuintes líquidos), cá iremos cantando e rindo rumo à expectável deceção que chegará no final da década, nesse já tão mítico 2030...

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