(A precipitação de uma segunda onda de disseminação mais rápida do vírus ainda antes do outono nos visitar mostra que fomos bastante menos eficazes em comunicar e organizar a abertura do que o confinamento. E a decisão política de evitar a todo o custo um segundo confinamento segundo alguns por motivos económicos, segundo outros porque a população não o toleraria corre o sério risco de trazer um enorme revés a essas duas correntes de opinião.)
Os dois gráficos que sistematizam as já 202 observações diárias (como o tempo passa inexoravelmente), embora com polinomiais de 3º grau com menor capacidade de ajustamento do comportamento real do número de infetados e de mortes diários do que a por mim obtida em tempos de estado de emergência, parecem não deixar dúvidas a ninguém sobre a emergência da tal segunda onda.
Confesso que tenho extrema dificuldade em entender os argumentos das correntes de opinião anteriormente enunciadas. Primeiro, não haverá recuperação económica sustentada sem controlo eficaz do vírus, ou seja, a sua manutenção em níveis de infetados/dia inferiores aos que nas duas últimas semanas se observaram. Segundo, com a exceção das escolas cujos custos de encerramento têm repercussões que iriam bastante além do início de uma eventual recuperação económica e cuja reabertura era imperiosa, não encontro razões válidas para a onda de histerismo contra as medidas de contenção do vírus. “It’s the vírus, stupid” é o que apetece dizer glosando a máxima que coloca a economia a explicar tudo o que para o qual não temos explicação. Pois, essa onda de histerismo parece não estar preocupada com a imensa e intensa gama de desigualdades que vem associada a um prolongamento de uma segunda onda em condições de coexistência com outros vírus sazonais como a partir do outono próximo. O que será muito provavelmente o panorama dos próximos três ou quatro meses.
E o setor hospitalar privado parece apostado em tornar a situação ainda mais complexa. Suspeito que, em época de coexistência de situações virais, um utente frequente desses estabelecimentos hospitalares que chegue a uma consulta ou a uma urgência (muitas das quais desapareceram por efeitos de mero cálculo económico) com febre não necessariamente Covidiana será imediata e provavelmente empandeirado para o sistema público.
A mudança do discurso político do “não hesitaremos em dar um passo atrás” para o “não confinaremos de novo e totalmente a sociedade e a economia” não é boa conselheira de comportamentos ajuizados por parte da população, alguma da qual de risco. Dizia-me alguém próximo que quando uma população reage com comportamentos de risco a ameaças que são de hoje e que se manifestam claramente no plano imediato talvez devêssemos ser mais comedidos com a esperança dessa mesma população reagir racionalmente a ameaças cruciais mas que se manifestam de modo mais mediato, como as alterações climáticas.
É um facto que a maneira como se comunicou o desconfinamento e a abertura não ajudou a uma transição mais eficaz. A alteração dos padrões etários dos grupos com maior incidência na disseminação é uma evidência, mas conviria recordar que esses grupos etários não funcionam em “bolhas” autónomas. E a exigência organizacional com que nos deparamos para intervir nesta fase é muito elevada e fora dos parâmetros da capacidade organizacional existente. O modo como se reage ao aparecimento de um infetado numa escola, numa empresa ou outra qualquer entidade será fundamental para conter a segunda onda, esperando que o seu “achatamento” aconteça ainda antes da confluência sazonal de vários vírus e patologias.
Vamos trabalhando, cuidando com rigor da nossa segurança. Vai ser duro.
Sem comentários:
Enviar um comentário