Não tenho quaisquer dúvidas quanto à dificuldade, tendencialmente impossibilidade, de se conseguirem produzir acertos minimamente adequados e respostas minimamente coerentes numa escala tão diferenciada e tão alargada quanto o é a constitutiva da atual União Europeia (a 27 ou ainda a 28, tanto faz). É mesmo essa uma das razões pelas quais cada vez mais considero que a questão do alargamento à tout prix que marcou a última década do século passado e a primeira deste, e que ainda continua a fazer parte do preguiçoso e interesseiro discurso político europeu de hoje, foi mesmo uma opção trágica para uma afirmação sustentada do dito projeto de integração económica potencialmente mais inovador dos nossos tempos.
Vem isto a propósito da mais recente iniciativa comunitária, conduzida sob a batuta visível da Comissão de UvdL, de um “Novo Pacto para as Migrações e Asilo”. Além da Presidente, deram a cara pelo “pragmático” caminho novo a prosseguir (um caminho realista segundo alguns, por lograr evitar roturas irremediáveis com polacos, húngaros e quejandos, mas um caminho vergonhoso segundo outros, mais atreitos a valorizarem causas humanitárias justas embora crescentemente descartadas por démodés aos olhos de opiniões públicas multidimensionalmente intoxicadas) dois outros comissários com pelouros diretamente relacionados ou conexos, o grego Margaritis Schinas (vice-presidente encarregado da “proteção do modo de vida europeu”, o que quer que tal queira realmente significar) e a sueca Ylva Johansson (que trata dos “assuntos internos”). Sem pretender elaborar muito numa matéria de elevado melindre e complexidade, também porque profundamente estafada perante nacionalismos obtusos e de vistas curtas que privilegiam um criminoso negacionismo de factos e argumentos, recorro com a devida vénia a dois parágrafos publicados por Wolfgang Münchau no seu “Eurointelligence” e que julgo ajudarem a situar o essencial do que tão tristemente marca o dito caminho novo.
“Escolha e responsabilidade são os princípios orientadores do novo pacto para as migrações e asilo apresentado ontem por Ursula von der Leyen. Esqueça as quotas de realocação obrigatórias, elas tornaram-se uma coisa do passado. Em vez delas, os Estados membros podem agora escolher como querem contribuir para aliviar a carga sobre os países de fronteira externa a que os migrantes chegam com mais frequência. Os Estados Membros podem acolher os requerentes de asilo, enviar de volta para os seus países de origem aqueles cujos pedidos de asilo são rejeitados ou ajudar a construir centros de acolhimento.
A Comissão chama a isto solidariedade flexível. Aqueles que não desejam acolher migrantes são agora responsáveis por deportá-los. Até onde nos levará este tipo de solidariedade? Onde estaremos daqui a 10 anos se a Alemanha continuar a aceitar migrantes enquanto a Áustria, a Hungria, Polónia ou a República Checa continuarem a promover uma narrativa xenófoba? A nova política permite a este grupo consolidar a sua postura anti-imigração e até mesmo transformá-la numa posição aceitável no quadro de padrões da UE. A UE ainda partilha os mesmos valores? O que parece é que se encontrou uma narrativa de fachada enquanto as fundações vão continuando a apodrecer.”
Esta é apenas mais uma ilustração do que vai mal pelas nossas redondezas, em áreas substantivas onde houve e devia continuar a haver lugar a esperança, ou seja, onde se podia ir melhor se nelas coubesse maior estadismo, visão e sentido de pertença. E, como estamos em maré de escrita para memória futura, importo o desabafo do meu colega de blogue para voltar a um lamento que cresce em mim: o de que a minha perspetiva da construção europeia cada vez mais será menos a mesma...
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