(Há duas grandes referências de natureza ética na economia. A primeiro radica no confronto entre as condições de arranque do capitalismo baseadas na religião protestante ou católica e deu origem a uma série de reflexões sobre a ética religiosa do capitalismo. A segunda corresponde ao problema da ética empresarial no mundo dos negócios. A propósito de uma obra recentemente publicada de autoria de Gene Sperling, que exerceu funções de conselho económico nos governos de Clinton e Obama, apetece-me dizer que faz falta mais reflexão sobre uma outra dimensão ética, a dos valores.)
Dignidade e decência são qualificativos que são pouco referidas no debate económico e é pena que assim aconteça. Apesar disso, no rescaldo dos desvarios financeiros da crise de 2008, falou-se e escreveu-se muito sobre a ganância (greed) como traço dominante dos comportamentos financeiros desse período que precipitaram o inevitável. Ora se a ganância dominou o universo dos comportamentos financeiros impõe-se que qualificativos como a dignidade e a decência devem entrar em cena no sistema de valores que deve condicionar e influenciar o crescimento económico. A Organização Internacional do Trabalho foi das primeiras organizações internacionais a introduzir o tema da decência no mundo do trabalho, apelando a formas de trabalho decente como condição a garantir.
Poderíamos dizer o mesmo da dignidade como valor e limiar de condição de vida a garantir por qualquer processo de desenvolvimento económico, independentemente dos traços culturais de cada sociedade e que podem integrar a dignidade num conjunto diverso de outros valores a respeitar.
Estas reflexões são determinadas por um livro que me chegou às mãos recentemente, focado obviamente na sociedade americana, ECONOMIC DIGNITY de Gene Sperling (Penguin Random House), com passagem enquanto conselheiro, Presidente do Conselho Económico, nos governos de Clinton e Obama. Trago-o aqui porque grande parte das derivas económicas e empresariais que estão a sustentar uma reeleição de Trump projetam-se nos antípodas da decência e da dignidade, voltam a alimentar-se de processos de ganância pura e simples, tal como ficou visível nos acontecimentos de 2007-2008. A sociedade americana é aqui invetivada mas encontraríamos outros exemplos, inclusivamente na Europa, e bastaria recordar-nos do escândalo de há alguns anos segundo a qual alguns construtores automóveis de elevado prestígio falsificam a pretensa capacidade dos seus motores de limitar emissões aos limites legais.
Por isso, nos tempos que correm, é necessário que a economia se deixe atravessar pela reivindicação de princípios de decência e de dignidade. São coisas simples, mas atendendo ao elevado grau de degenerescência da base moral do capitalismo (curioso, há cerca de 40 anos escrevi um artigo sobre este tema) têm de ser trazidos de novo para a luta das ideias.
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