segunda-feira, 21 de setembro de 2020

E SE FALÁSSEMOS MENOS E MAIS BAIXO?

 

(The Atlantic)

(À medida que a intensidade de disseminação do vírus se acentua, proliferam de novo as controvérsias e as dicas, mais ou menos cientificamente fundamentadas, para melhor resistirmos ao embate. E aí vamos nós outra vez a navegar num mar crítico de informação, intuindo o que deve ser lido e o que deve engrossar a nossa caixa de lixo noticioso. Cá para mim, que não me enganei muito nessa intuição ao longo da primeira onda, a pista mais relevante é a dos aerossóis.)

As minhas curvas polinomiais anunciam mais do que 200 observações, o que parece ser suficiente para inspirar alguma confiança nos registos, embora a política de disseminação de informação por parte da DGS nem sempre permita avaliar a qualidade da mesma. Em simultâneo, se seguirmos com alguma regularidade a disseminação de informação científica por esse mundo fora, com os cuidados necessários de utilização dos filtros mais convenientes (e quem nos orienta na definição desses filtros?) compreendemos que alguma coisa mudou no conhecimento dos mecanismos de contágio. E não podemos deixar de reconhecer que existe um desvio temporal acentuado entre as novidades da ciência e a resposta das instituições que gerem a pandemia. Há razões válidas para esse desvio. Primeiro, como a literatura da economia do desenvolvimento me ensinou há muito tempo, a inércia da decisão nessas instituições é por demais conhecida. Elas não estão preparadas para agilizar a entrada de ideias e resultados novos. Estão antes muitas vezes presas à esperança de testar ideias antigas, porque isso corresponde à perpetuação das relações de poder interno. Segundo, aquilo que nos aparece como novidade na informação requer a maior parte das vezes mais densidade de evidência e multiplicação de equipas com experiências válidas nesse sentido. Não é preciso ser um cientista para intuir que essa prática penaliza a emergência das ideias mais revolucionárias, já que uma ideia fortemente disruptiva tenderá inicialmente a suscitar uma menor densidade de demonstração por equipas diferentes.

Aplicando esta abordagem ao caso da disseminação da presente pandemia, podemos dizer com algum realismo que a influência das superfícies como veículo de contágio e das gotículas provenientes da atividade respiratória têm vindo a perder relevância como fatores de transmissão viral. Recordo-me perfeitamente que, numa das primeiras entrevistas televisivas do pneumologista Filipe Froes (uma das raras vozes sensatas que importa ouvir), ele nos dizia que a propagação via aerossóis era essencialmente produzida em ambiente hospitalar em intervenções intrusivas do aparelho respiratório dos pacientes. Na altura em que o pneumologista português nos transmitia o seu conhecimento, essa era a orientação dominante entre as evidências científicas da propagação. Pelo que tenho lido, as superfícies perderam relevo e as gotículas (de maior micro-diâmetro do que os aerossóis) também embora em menor grau, com crescente importância destes últimos sobretudo para explicar a disseminação em ajuntamentos mais expressivos de pessoas.

O professor José L. Jimenez da Universidade americana de Boulder no Colorado tem-se destacado na ênfase dada aos aerossóis como fator de propagação, retirando daí algumas máximas de atuação, algumas bastante desconcertantes, mas que dão que pensar a alguém de mente aberta. Por exemplo esta: “use máscara e fale pouco e baixo por uns tempos”. Os meus amigos libertários dirão imediatamente que lá estão as forças ocultas de cerceamento da nossa liberdade em plena atividade. Mas se estivermos atentos a resultados de experiências que mostram que os palradores emitem mais aerossóis do que um cidadão com atividade respiratória normal então a máxima de Jiménez não é assim tão provocadora como isso. Como seria de esperar, esta evidência não inspirou ainda decisivamente as organizações internacionais e nacionais.

Cá por mim, por um lado, estou sossegado pois de palrador não tenho nada e não sou dos que falo alto, exceto em algumas intervenções públicas por agora interrompidas. Mas a máscara em espaços por onde proliferam palradores arrebatados é decisão assisada que pratico. Sem esquecer os meus amigos libertários a máxima de Jiménez seria de grande utilidade para reduzir o ruído de muitos palradores que não têm nada de substancial para dizer, embora consigam a proeza de serem pagos para isso.

O The Atlantic publicou uma entrevista com o Professor Jimenez que agora a VOZ de GALICIA reproduziu (links aqui e aqui).

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