segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O EMPRESÁRIO DISFARÇADO

 

(Asier Sanz)

(Disfarçado ou simplesmente falhado ou aldrabão, vai tudo dar ao mesmo. A publicação das declarações de impostos do Presidente americano realizada pelo New York Times revela podres do capitalismo americano, que praticamente todos conhecíamos e que só traz a novidade de serem estendidos ao putativo empresário-Presidente. Para além de estar convencido que a publicação frustrou expectativas iniciais do próprio jornal, oxalá me engane mas a revelação do NYT ajudará a explicar a verdadeira dimensão da base eleitoral de Trump)

Tal como convém à sua estratégia de conquista de eleitorado desde a sua eleição, Trump apresenta-se como um empresário de sucesso, na despudorada tentativa de demonstrar de que quem sabe ganhar dinheiro saberá conduzir o país e decidir em conformidade. Mas o que Trump é na prática é aquilo que se chama em Portugal de empresário dos esquemas, o espertalhão do planeamento fiscal despudorado e agressivo, aquele que confunde com a maior das simplicidades despesas pessoais e das empresas. Numa palavra, o verdadeiro artista dos truques fiscais, na linha de aparência de muitos empresários dessa natureza da nossa praça, de camisa aberta e grossas pulseiras coloridas segundo o modelo de “senhorzinhos Maltas” dos nossos tempos. Ou seja, um verdadeiro insulto aos verdadeiros empresários, qualquer que seja a definição (e sabemos como existem várias definições) que adotemos para os classificar. Imagino as dificuldades de conceptualização que Schumpeter hoje teria quando num eventual regresso do mundo dos mortos encontrasse este empresário-Presidente.

O NYT talvez esperasse encontrar evidências de fraude fiscal ou até de financiamentos estranhos das suas empresas, vindos dos lados da Rússia. Não encontrou nada desse tipo de material. Mas encontrou uma das mais desavergonhadas solicitações de bonificações fiscais (ver artigo de John Cassidy na New Yorker, link aqui) de que há memória nos EUA, elevando o “rebate” fiscal ao garu mais elevado do descaramento fiscal, obviamente que acolitado por uma massa inaudita de advogados especializados.

Em meu entender, os dados agora relevados ajudam a explicar em parte o êxito eleitoral de Trump. Existe, disso não há dúvida, uma canga imensa e variada de gente ligada ao mundo dos negócios americanos que, para além de estar a destruir o Partido Republicano e os seus valores fundacionais, está na base da maior desigualdade algum dia vivida pela economia americana, alimenta-se dela, reproduz-se em ambientes favoráveis. Essa é uma segura base de apoio de Trump, na linha de um raciocínio de extrema simplicidade, porquê apoiar outras pessoas, estando na Casa Branca a personalidade que melhor serve a perpetuação dos seus interesses.

Mas há ainda uma outra franja de eleitores que se revê nos comportamentos de “chico espertismo” do seu presidente. A sociedade americana está povoada de “libertários de meia tigela” que acredita na voracidade e na pressão impiedosa de um estado, que consideram de socialista e atentatório da liberdade individual (por isso nestes mundos os pontos de contacto entre a extrema-esquerda e a extrema-direita são tão próximos). Ora, quando um personagem como Trump se orgulha na prática das suas manigâncias de prestidigitador fiscal ele agrada por essa via a essa outra canga, que vê nele um companheiro de habilidades.

Por estas razões, não estou otimista em demasia quanto ao efeito eleitoral das revelações do NYT. É algo de que só teremos a perceção real na mais complicada das noites eleitorais americanas, esperando que a dignidade e a decência sejam suficientes para superar o eleitorado fiel de Trump que vê nele o verdadeiro Artista. Isto se nos debates televisivos Joe Biden não queimar os fusíveis e nos transportar na mais longa das deceções mundiais.

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