(Fim de férias com uma imagem paradoxal. O mar chão com que Moledo se apresentava no último dia de agosto pareceu-me paradoxal face ao que nos espera nesta transição de 2020 para 2021. Espero tempos bem mais agitados do que a calma intrigante daquele mar, tantas vezes batido e enfurecido e com ganas de ir avançando costa adentro).
Nos últimos dias de agosto, os ares de outono atreviam-se a marcar presença como que a relembrar que basta de descanso e mãos à obra para os diferentes afazeres que a vida ainda nos reserva. Mas o 31 de agosto reservou-nos tempo ameno, um sol já enfraquecido mas que conseguia fazer esquecer as aragens precoces de outono. E sobretudo aquele mar estranhamente chão, mostrando que se pode enfurecer mas também apresentar-se dócil e prazenteiro, representava no meu pensamento uma metáfora paradoxal dos tempos difíceis que nos esperam no próximo ano.
A recessão económica é agora bem evidente nos números do INE e rapidamente o desemprego irá sobrepor-se aos mecanismos de lay-off e a outros instrumentos de apoio à perda de atividade determinada pelo surto pandémico. Mas, pior do que isso, tenho ouvido inúmeras e diversas recriminações expressas por utentes de serviços públicos que se queixam das precárias condições de funcionamento de alguns serviços públicos geradas pela grande quantidade de funcionários públicos em teletrabalho. Quer isto significar que o sentido coletivo que foi possível manter durante o período mais agudo do confinamento, acompanhado do respeito por quem se manteve na frente do trabalho para permitir mínimos de funcionamento está em profunda desagregação.
De tudo isto salva-se pelo menos o convencimento manifestado pela generalidade das grandes instituições internacionais segundo os quais a contração da despesa pública representaria neste contexto um suicídio internacional de grandes proporções, tal como o afirmou há dias o ex-economista chefe do FMI Maurice Obstfeld. Simultaneamente, os mercados internacionais continuam magnanimamente a acolher aumentos de dívida, sem que as taxas de juro de longo prazo manifestem qualquer sinal de perturbação por antecipação. São boas notícias para a ida ao mercado da Comissão Europeia, mesmo não estando claro como o empréstimo a contrair será no futuro regularizado do ponto de vista dos países que dele beneficiarão.
A recessão sincrónica de que padece praticamente toda a economia mundial e as interrogações que pesam sobre a fragmentação das cadeias de valor internacionais abrirão alguma margem de manobra à política fiscal de relançamento da procura interna nos países mais afetados, com claro favorecimento das economias de maior dimensão.
As nuvens que pairam sobre a estabilidade política de alguns países, com destaque para as eleições americanas e para a necessidade de estancamento da extrema-direita e do populismo mais destrutivo pelas bandas da Europa, adensam interrogações sobre o futuro imediato. Compreendo que a abordagem de combate à pandemia tende a produzir um caldo favorável à restrição de liberdades e por isso teremos de manter vigilância sobre tais derivas. Mas as ameaças que pairam sobre as democracias europeias são bem anteriores aos desvios pandémicos e sinceramente não vi esses “ferrenhos” defensores da liberdade pronunciarem alto e ativamente contra essas ameaças iliberais. E por favor não me venham com o discurso da liberdade para explicar e desculpar manifestações como a que pretendeu penetrar no parlamento alemão. Essas são apenas manifestações descontroladas da estupidez humana com arte manipuladas.
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