(Um a um, uma a uma, o(a)s Grandes vão caindo e, com esse desaparecimento, vão também caindo os referenciais de uma geração na arte, na política, na cultura em geral, adensando a indeterminação e incerteza que nos espera numa vida que se vai prolongando com a bondade dos deuses. Olhando para trás, é impossível ficar indiferente e não recordar o que a obra de Lynch me despertou seja no cinema seja na televisão, aliás num registo em que a partir de um certo momento foi para mim cada vez mais difícil separar o Lynch do cinema do Lynch da televisão. Com aquela maneira peculiar de filmar universos oníricos, alguns dos quais provavelmente encontraríamos na auto-análise dos nossos próprios sonhos, Lynch marcou uma nova era na cultura urbana e na visão das sociedades contemporâneas, desconcertante até ao fim e atraiçoado pelo enfisema pulmonar que precipitou a sua morte. Não tenho saber nem talento para uma crónica a fazer de conta que sou crítico de cinema, por isso a crónica é simplesmente impressiva, afetiva, na medida do estímulo à criatividade e à imaginação dos sonhos que algumas obras de Lynch me foram despertando).
The Lost Highway (1997) e Mulholand Drive (2001) vieram depois com o papel essencial de equivalerem para mim ao ponto máximo do imaginário surrealista que Lynch trouxe ao cinema. Entretanto, pelo meio, numa viragem desconcertante de estilo (1999), The Straight Story é talvez o filme que mais me desconcertou, sobretudo pelo contraponto em relação ao imaginário surrealista e que, recordo-me, me comoveu imenso, quando vivemos aquela história espantosa do velho que utilizando um trator concretizou uma longuíssima viagem para visitar o irmão pela última vez. Por isso, escolhi o cartaz do filme para a imagem que abre a crónica de hoje.
E, como não podia deixar de ser, fica-me para sempre na memória, a paixão com que ficava preso ao ecrã da televisão para seguir Twin Peaks (1990-91) e Twin Peaks – o Regresso (2017), este último bem menos impactante, por razões óbvias, face ao fascínio inicial que o mistério de Laura Palmer trouxe ao nosso universo televisivo. Acho que a televisão, nem agora com a possibilidade que a Netflix, a MAX, a Amazon Video e a Apple TV nos oferecem, penso que nunca mais nos proporcionou ambientes tão oníricos e fascinantes como aqueles que aquela série nos oferecia sempre que, avidamente, visualizava mais um episódio.
Estou seguro que o fascínio do universo onírico e surreal que Lynch trabalhou melhor do que ninguém permanecerá além da sua morte.
Aliás, só uma personalidade que dominava como Lynch esse universo do surreal seria capaz de assinar uma história tão linear e comovente como é The Straight Story.
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