sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

O FESTIM

 


(Os primeiros dias da administração Trump fazem lembrar uma alcateia que goza deliciada uma presa acabada de ser apanhada, saciando apetites num festim celebração do que uma sua apoiante destacada designava de “a manhã americana”. Há ordens administrativas e decretos para todos os gostos dos membros da alcateia. Mas, pelo que vou lendo, abre-se também um outro festim, o dos escritórios de advogados e profissionais independentes que vão aproveitar até ao tutano o desplante arrogante do novo Presidente que em alguns domínios roça a ultrapassagem das suas competências legais, pelo que um longo rosário de litígios nos tribunais vai acontecer, representando por essa via um importante teste ao sistema judicial americano, no qual a instância superior do Supremo Tribunal tudo fará para não incomodar a nova Presidência. Como é fácil concluir pelo vastíssimo enunciado de ordens publicadas, e só a cena de Trump posar com os decretos e ordens assinados é por si só um verdadeiro espetáculo, não colocando eu de parte a possibilidade do Presidente os assinar em direto na televisão preferida, há promessas cumpridas para todos os gostos. E aí temos o festim da desregulação económica e ambiental, o seu agradecimento aos produtores de combustíveis fósseis, a desmontagem e despedimento de todos os serviços da administração federal que cheirem a progressismo e ativismo político, os perdões aos invasores do Capitólio, que é uma forma de se perdoar a si próprio, o não alinhamento com a tributação de 15% das firmas multinacionais e, obviamente, as deportações e outras formas de controlo mais ou menos violento da imigração ilegal…).

No que diz respeito à política económica, não é ainda totalmente claro se a fúria legislativa dos primeiros dias corresponde ao anunciado na campanha e nos dias que se sucederam à declaração de vitória. Sabemos que Trump gosta da palavra “tariffs” (direitos aduaneiros e não tarifas como a generalidade da imprensa e comentadores nacionais teimam em continuar a utilizar nas suas notícias) e que a principal novidade da sua invocação é a aplicação de fortes direitos aduaneiros ser utilizada como arma de castigo e chantagem sobre países cujo comportamento não agrada ao Presidente. O caso do México é o mais eloquente pois a ameaça corresponde ao objetivo de obrigar o governo mexicano a controlar o movimento migratório que aí tem origem e a domesticar a exportação de estupefacientes para os EUA. O caso do Canadá vem no mesmo pacote, embora, pasme-se, não consta em nenhuma fonte ou evidência que o Canadá seja origem nem de movimentos migratórios significativos, nem de proteção a perigosos narcotraficantes. A Europa aparece num saco contíguo, mas a linguagem é mais prosaica (“a Europa não gosta de nós e tem connosco um excedente comercial brutal”).

A utilização de direitos aduaneiros de forma generalizada e sobretudo entendida como arma de arremesso e de chantagem é praticamente de forma genérica considerada uma má prática por parte dos economistas, sobretudo se estivermos falar de taxas entre os 25% e valores mais elevados. A resolução das nossas questões à custa dos nossos parceiros comerciais (begging-my-neighbour) tende a ser considerada catastrófica para o comércio internacionais, gerando no país que as aplica pressões inflacionistas e complicando a vida aos mais pobres e desfavorecidos. A utilização seletiva e temporária de taxas aduaneiras pode ser entendida como um instrumento de política industrial, de maneira a permitir o “learning-by-doing” essencial dos primeiros tempos para a produção nacional, mas não é disso que Trump fala, mas de uma arma de chantagem e pressão.

Mas como fiel intérprete do ódio às elites (e os economistas estão nesse grupo), Trump estará a marimbar-se para o que a disciplina económica pensa. A única linguagem que ele entende é a dos mercados e, por vezes, os mercados reagem violentamente à imposição de direitos aduaneiros, antecipando os efeitos perversos que tendem a provocar. Ora, estranhamente, os mercados e a bolsa americana parecem deliciados com o festim a que esão a assistir (imagino que a desregulação generalizada seja o aspeto mais apreciado do manjar). Uma de duas, ou os mercados descontam já que a basófia trumpiana tem de ser devidamente desvalorizada, ou seja, a retórica política não vai chegar totalmente às taxas aduaneiras, ou então, pior dos cenários, a não reação dos mercados à política comercial das taxas aduaneiras ainda mais reforçará os apetites de Trump.

Paul Krugman, no seu novo posto de comentário, o seu substack, insiste num ponto relevante. O efeito perverso dos direitos aduaneiros não é proporcional à dimensão das taxas. Isto é, uma taxa de 30% sobre importações não gera três vezes mais efeitos perversos do que uma taxa de 10%. Os efeitos são mais que proporcionais. Um outro ponto importante é que as importações pesam apenas 11% no consumo médio americano, o que tenderá a reduzir o efeito-rendimento da aplicação de taxas às importações.

Outros efeitos tenderão a fazer sujeitar a retórica de Trump ao confronto com factos que lhe serão adversos. A criação de empregos que é prometida com a aplicação das taxas aduaneiras dificilmente poderá ser cumprida. A proximidade da economia americana ao pleno emprego é uma realidade e isso obviamente que condiciona o objetivo da criação de emprego anunciada, a não ser que a imigração o compense (mas esta é fustigada pela mesma retórica de Trump), mas isso é um contrassenso. Depois, a tendência para os direitos aduaneiros sobre as importações influenciarem a sobrevalorização do dólar é real, com consequências penalizadoras para as exportações americanas.

Por fim, a hipótese de retaliações tenderá a provocar sérios efeitos na indústria americana que mantém já com as economias mexicana e canadiana uma forte interdependência.

Concluindo, a confusão e o confronto da retórica trumpiana seguem dentro de momentos ou em próximos episódios …

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