(O Barómetro Europeu Standard é um dos raros instrumentos de avaliação da opinião pública e dos 27 que pode ser analisado ao longo do tempo, já que tem base trimestral, é desenvolvido há algum tempo e cobre diferentes aspetos da vida pública. Este instrumento representa assim uma oportunidade de testar a disseminação precipitada de perceções, já que pelo menos resulta de uma sondagem de opinião e não de construções políticas à medida dos interesses inconfessáveis prosseguidos por tais forças políticas. Vou por isso recorrer ao barómetro de outubro de 2024 para apalpar o pulso ao sentimento dos portugueses. Vale o que vale e a regra fundamental é não pedir mais a uma evidência do que ela pode efetivamente oferecer.)
Em matéria de nível de satisfação dos cidadãos, já algum tempo que o país apresenta níveis de satisfação inferiores aos dos países europeus em média, tendo esse nível de satisfação estado desde 2017 entre os 70 e os 80%, para 85% do referente comunitário. Na escala comunitária estamos mais para baixo do que para cima, mais propriamente temos o quarto mais baixo nível de satisfação com as condições de vida entre os 27. Como economista do desenvolvimento devo reconhecer que este resultado está em linha com o nosso desvio de desenvolvimento face à média da UE. Nem sempre o nível de desenvolvimento económico está em linha com o nível global de satisfação, mas neste caso, com um PIB per capita abaixo da média europeia e tendo em conta a desigualdade existente não me espanta o alinhamento dos dois indicadores.
Do ponto de vista da identificação dos problemas que afligem os portugueses, seguramente que as nossas “prioridades” não estão propriamente em linha com as europeias: 43% dos portugueses considera que a inflação, as condições de saúde e a habitação dominam as suas preocupações, não aparecendo temas como a segurança, a imigração e as questões climáticas no topo das preocupações portuguesas. Talvez Montenegro não tenha lido convenientemente o barómetro.
Já no que respeita ao nível de satisfação com o funcionamento da democracia, estamos mais para cima do que baixo na hierarquia comunitária, com 61% dos portugueses a considerarem-se satisfeitos com essa variável. O indicador de satisfação português tem melhorado, o que parece ser música que agrade ao posicionamento do Chega e de outros profetas da desgraça.
Um outro indicador em que os portugueses se destacam positivamente da maioria dos seus parceiros europeus é o nível de confiança nos media. Para uma média de 65% de confiança na informação dos media na UE, o nível de confiança português é surpreendentemente de 85%. Os portugueses parecem bondosos para com os seus media. Não sei como interpretar rigorosamente esta valoração dos portugueses, sobretudo no quadro de um país em que os jornais agonizam, mas obviamente existe a televisão e ainda me causa por isso mais interrogação esta valoração.
Em termos de confiança e de valoração da imagem da UE, a dissonância face à Europa ainda é mais saliente. Estamos situados logo a seguir à Dinamarca nessa valoração: 67% face aos 51% da média europeia. Valeria a pena explicar esta dissonância positiva. Dir-me-ão alguns que serão os Fundos Europeus Estruturais e presentemente o PRR a gerar essa valoração. Mas não posso ignorar que a notoriedade desses Fundos em Portugal é baixíssima, o que representa uma contradição nessa interpretação. Talvez a explicação mais consequente seja a de olhar para a União como um potencial de aumento do nível de desenvolvimento do país.
Em matéria de ligação à realidades nacional e europeia, obviamente que a ligação nacional ganha de longe (98% contra 66%), mas ainda assim a ligação à União supera a da média europeia.
Em coerência com os indicadores atrás referidos, os portugueses parecem estar mais fortemente ligados à necessidade de ajuda à Ucrânia do que os Europeus em média (79% contra 55% relativamente à forma como a União tem ajudado o país invadido). E também não será surpresa, que os riscos do alargamento sejam claramente mais valorados cá do que na União: em termos de consequente instabilidade e insegurança 36 contra 22% e em termos de efeitos sobre o mercado de trabalho 35 contra 29%.
Sintetizando, o barómetro revela em Portugal uma certa sabedoria média bastante cristalina.
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