(Já quando redigi o post sobre a devastação em Gaza me coloquei o problema de encontrar a designação rigorosa para descrever o que aconteceu em Gaza com a desproporcionadíssima e oportunista invasão que Israel perpetrou naquele território. Em bom rigor não se tratou de uma guerra propriamente dita embora falar de tréguas o possa sugerir. Tratou-se antes de uma retaliação concretizada sob o pressuposto falso de que condenar a população palestiniana a um genocídio parcial seria equivalente a condenar o Hamas à sua extinção. Hoje compreende-se melhor as consequências desse trágico pressuposto. Embora debilitado, o Hamas não foi destruído e o que não suscita dúvidas é a dimensão do morticínio a que a população de Gaza foi submetida. Assim sendo, fui procurando entre o que a ciência política nos tem oferecido elementos para descrever com maior rigor o que afinal aconteceu em Gaza. Como já por repetidas vezes o invoquei, Xosé Luís Barreiro Rivas é um desconcertante politólogo galego, profundamente conservador nas suas posições, feroz opositor do modelo de governação política que Pedro Sánchez tem protagonizado para assegurar a sua continuidade no poder e adiar eleições que muito provavelmente perderá, por conseguinte, nenhum perigoso esquerdista com fortes preconceitos em relação a Israel. Ora, na sua última crónica na VOZ DE GALICIA, Barreiro Rivas responde parcialmente à minha interrogação, partindo da análise do que aconteceu em Gaza e da conclusão de que não o podemos descrever como uma guerra. Já é um começo. De mal o menos …).
Citando parte da sua crónica, Barreiro Rivas diz-nos o seguinte:
“O que aconteceu, afinal em Gaza? É possível que os que falam inglês não tenham palavras para o descrever. Mas nós que falamos castelhano temos dois termos – aceifa e razia de origem árabe que, muito utilizados durante a Reconquista, nos explicam que nenhum dos adversários tem capacidade para levar a cabo uma guerra, ou quando o inimigo é difuso, o que os exércitos e os aventureiros fazem é uma “aceifa”, que serve para destruir as bases de um poder nascente, ou debilitar estruturas políticas emergentes, queimando colheitas e habitações, realizando grandes matanças e cativeiros e arrasando os símbolos de identidade. Não permanecem na terra arrasada, porque não a podem defender, mas tão pouco a deixam crescer ou organizar-se”.
A questão de ser ou não ser uma guerra tem fortes implicações no modo como a diplomacia e a política poderão atuar. Como diz o cronista, “uma guerra que não começou dificilmente pode ser acabada”. Temo que esta questão, muito mais profunda do que uma simples preocupação de terminologia, tenha fortes repercussões na continuação das tréguas em curso e na sua possível extensão para um arremedo de paz, precária bem entendido, mas pelo menos suficientemente duradoura para que a ajuda humanitária possa atuar sem pressões e em segurança e possa ser minimamente iniciada uma primeira fase de reconstrução infraestrutural, permitindo que a devastação não se repercuta em graves problemas de saúde pública.
O problema de representação da população palestiniana é um caso bicudo. No contexto atual, a separação entre o Hamas político e o Hamas militar é praticamente impossível e a Autoridade Nacional da Palestina vive momentos de grande enfraquecimento devido às diferentes frentes de corrupção em que se deixou envolver. Todos estes factos penalizam a negociação e a possibilidade da população palestiniana surgir representada de forma coerente.
E há ainda o problema da intermediação política do próprio processo de negociação. O Quatar e o Egito foram atores importantes na difícil construção das tréguas que têm permitido a troca bem-sucedida entre reféns do Hamas e presos palestinianos, mas é questionável que esses dois países possam prolongar a sua ação negociadora para as difíceis condições da reconstrução e da governação do território de Gaza.
Como é conhecido, Israel extremou incompreensivelmente a sua animosidade contra as Nações Unidas e não antevejo céu limpo para uma baixa de tensão nesse relacionamento. E já não estou a projetar as consequências de por parte dos EUA não estar um Anthony Blinken ou perfil similar nessas negociações e estar antes representado por um qualquer acólito trauglaudita de Trump.
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