(A minha reflexão para hoje não se deve a qualquer revanche sobre o que se passa por estes dias com novas revelações sobre os larguíssimos critérios de gestão de Pinto da Costa e seus parceiros (caro Dr. Fernando Gomes não havia necessidade de uma parte final como esta na sua carreira!), matéria que tem saciado o apetite dos abutres do Correio da Manhã. A personalidade do dito nunca me cativou e é aliás responsável por um certo modelo de chico-espertismo se ter instalado nas hostes do regionalismo que abalou, reconheço, as minhas convicções sobre a regionalização do país. Sou suficientemente distante e frio nestas coisas para distinguir o que gosto no jogo de tudo que o rodeia e, de facto, o que se desenvolve nos bastidores não se recomenda a um bom chefe de família. A minha reflexão, embora saudando a coragem de Villas Boas e sua equipa para dar o murro na mesa que há imenso tempo era imperioso dar, é de que por todo o mundo do futebol existe uma sedução pelo faz de conta, ou seja, gosta-se tanto do que as quatro linhas nos oferecem, e nem sempre isso acontece, de que a propensão de gente inteligente e culta para ignorar esse outro lado do futebol é tema de estudo. Incluo-me no grupo. Os desvarios e inventiva de gestão em seu proveito e dos seus mais próximos agora revelados no FCP facilmente se encontram noutras SAD e administrações. É sobre isso que gostaria de refletir neste sábado de luz generosa, que devemos bem gozar pois a chuva e a borrasca estão aí à porta nos próximos dias.)
Um dos meus primeiros impulsos para pensar em termos mais estruturados nestas questões emergiu quando dei conta do número elevado de juízes, reformados ou retirados, não interessa, que apareciam nas estruturas diretivas de diferentes órgãos das SAD ou direções de clubes. Não imagino haver outros profissionais com maior potencial para pressentir os pontos e domínios menos claros das administrações.
As derivas e inventivas de gestão em proveito próprio e dos seus apaniguados mais diretos na linha das que têm sido reveladas em torno da herança pesada que Pinto da Costa deixa no clube e as similaridades que têm com o que se passa noutros clubes faziam parte daqueles ruídos ou rumores que a comunidade que gosta de futebol e com ele vibra se habituou a decantar segundo o tal modelo do “faz de conta”, considerado oportuno para sossegar as suas consciências. Uma outra forma de acomodação de consciências não tão inquietas como o necessário consistia em contrapor essas zonas mais nebulosas da gestão à evidência dos títulos conquistados, na prática veiculando a ideia peregrina de que o mundo travesso do futebol não se compadecia com a gestão bacteriologicamente pura. Assim acontecia com a maneira como as sucessivas gestões da SAD do Sporting antes de Bruno Carvalho ou mesmo na gestão inicial de Frederico Varandas e transpareceu ainda na última entrevista pública de Luís Filipe Vieira referindo-se à gestão considerada ingénua de Rui Costa. A força do contexto era tal que tudo se perdoava para colocar os clubes em linha com os desafios colocados por esse futebol matreiro e não canónico.
Creio ainda que o esticar da corda assumido por algumas equipas dirigentes tem por pressuposto o contexto de a grande maioria dos associados, inclusivamente os mais letrados, acreditar piamente que quem gosta do que vê dentro das quatro linhas e de títulos está disposto a ignorar ou a encolher os ombros perante a inventiva de gestão, também em proveito próprio. Estou em crer que esse pressuposto tendeu a criar nesses dirigentes uma ideia de impunidade e de dissonância cognitiva face à realidade, como alguns pronunciamentos públicos de Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira deixaram antever e como o célebre almoço entre as duas personalidades na Mealhada bem o ilustrou.
Não faço a mínima ideia se o modelo de gestão e propriedade dos clubes de futebol acabará em Portugal por seguir, por exemplo, a trajetória da gestão na Premier League. Não sei ainda se os gestores e proprietários de clubes como o Manchester United, Liverpool ou Arsenal, por exemplo, serão melhores peças do que os nossos aprendizes de feiticeiro. Tenho mesmo dúvidas se alguma vez essa modernidade gestionária irá ou não implantar-se. Em Inglaterra, pelo menos, a paixão e o fanatismo clubista parecem até agora poder conviver com essa modernidade de propriedade e gestão. Mas a situação está longe de estar próxima na perfeição, que o digam, por exemplo, os adeptos do United e Ruben Amorim que herdou uma equipa em frangalhos, com um desconhecido racional de composição e contratação. Mas há “pasta” para continuar a contratar e isso é mais poderoso do que qualquer sentimento de paixão clubista.
Por cá, faltando esse capital e se os resultados não acalmarem as paixões clubistas, não há gestão moderna que resista. O arcaísmo no futebol nacional tem ainda muita força.
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