(Hannah Arendt é daquelas escritoras, ensaístas e jornalistas, são célebres as crónicas de Arendt para a New Yorker sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém, que lhe valeram críticas acirradas de amigos e judeus em geral, que vale a pena revisitar neste período trágico de interrupção das esperanças do pós 2ª guerra mundial. Especialmente a sua reflexão sobre o fenómeno do totalitarismo é hoje essencial para compreender o mundo atual na sua configuração cada vez mais estranha e ameaçadora para a democracia. O jornalista Rafael Narbona publicou no suplemento El Cultural do jornal digital mais lido em Espanha, o El Español um inquietante artigo, no qual discutindo o conceito de político de Arendt se questiona se o trumpismo é uma nova forma de fascismo. Mais do que o tema central da crónica, interessa-me sobretudo a interpretação que o jornalista espanhol realiza da obra de Arendt do ponto de vista do que a escritora pensava ser a não política, ou a não democracia.).
Centro, por isso, o meu post em dois excertos do artigo de Narbona que estão em linha com as minhas inquietações de momento:
“(…) Arendt defende que a pluralidade e o direito a ser ouvido é a essência da política ou, se o preferirmos, do poder que se constitui a partir de um debate público e aberto. As guerras e as revoluções não são acontecimentos políticos, mas apenas crises que fecham o espaço criado para polemizar sem conduzir a enfrentamentos cruéis. Para Arendt, a violência não é a continuação da política por outros meios, nem a parteira da história. As suas consequências imediatas são a destruição da convivência pacífica e ordenada, que é o objetivo da política.
(…) A essência do totalitarismo é criar um mundo homogéneo, sem diversidade nem discrepância. Uma espécie de melodia que se repte indefinidamente, sem jamais alterar as suas notas. Pelo contrário, a política, um termo que Arendt utiliza praticamente como um sinónimo de democracia, surge para garantir a pluralidade. Não se trata simplesmente de respeitar a alternância, mas apenas de criar um espaço em que homens e mulheres podem esgrimir a palavra para mostrar livremente quem são. Só desse modo se pode iluminar uma comunidade baseada no intercâmbio fecundo e não na mera submissão ao mais forte.
A política não é uma extensão da família, uma unidade de convivência que se constrói a partir de afinidades e interesses comuns. A política é o terreno da diversidade irredutível. A sua meta é garantir o exercício da diferença num quadro de tolerância e igualdade. Ao contrário da massa uniforme e impessoal, os cidadãos caracterizam-se pela sua radical singularidade. Não há dois seres humanos idênticos. É graças a isso que a criatividade e a inovação estão garantidas.”
Como é óbvio, esta pequena introdução à política em Hannah Arendt não dispensa o mergulho no calhamaço que “As origens do totalitarismo” representam, obra máxima da ensaísta na explicação histórica de como o totalitarismo emergiu e se enraizou.
Mas esta interpretação de Narbona basta por si para vincar a relação entre a Política e a preservação da diversidade e da controvérsia. Porque é essencialmente isso que está ameaçado na deriva contemporânea que atravessa o mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário