(As imagens de protesto violento e de ameaça de bloqueio do país, que tudo indica terá sido evitado, que nos chegam de Paris reeditam esta forma de radical de contestação que a França tem vivido nos últimos anos, pelo menos desde que os militantes do movimento dos Gilets Jaunes ocuparam a rua e o espaço mediático. Outros ensaios aconteceram antes e durante o agora defunto governo de François Bayrou, com passagem efémera por Matignon, designadamente o movimento de profunda revolta com a anunciada reforma do sistema de pensões. Os que agora irromperam “comemoram” o primeiro dia em que um novo primeiro-Ministro escolhido por Macron surge em cena, Sébastien Lecornu, mas claramente o político visado pelo movimento do 10 de setembro, Bloquons tout, é claramente o Presidente Macron. A génese do movimento começa por ser inorgânica, com as redes sociais a funcionarem como o grande elemento de convocação e de agrupamento, mas rapidamente a energia que as manifestações de rua fornecem a este tipo de movimentos torna difícil compreender que forças se manifestam e que ideias de protesto as caracterizam. A situação atinge dimensões de total imprevisibilidade quando aparentemente parece haver convergência entre manifestantes de extrema- direita e de extrema-esquerda, ainda que possa dizer-se que o movimento Bloquons tout tem raízes inorgânicas, a ponto de haver registos de colaboração popular em algumas cidades franceses na base de donativos para aguentar a resistência. As notícias davam conta em Lyon da existência de cantinas solidárias para apoiar os manifestantes, cuja magnitude de efetivos parece ser largamente subavaliada pela estimativa de 175.000 manifestantes em toda a França apresentada pelo Ministério do Interior.)
Uma vez que a chegada do movimento às ruas francesas foi anterior à indicação do novo primeiro-Ministro Lecornu, que raio de nome, tudo aponta para que um dos únicos pontos de convergência entre os manifestantes seja a oposição a Macron e a oposição violenta aos princípios de reforma que o Presidente defende. Não é a primeira vez que Macron bate de frente com a violência popular e as manifestações inorgânicas de rua. O Presidente é agora um político em agonia, acossado pelos acontecimentos, que nem a sua dinâmica presença europeia consegue disfarçar. O novo primeiro-Ministro parece ser um político da extrema confiança de Macron, mas o problema é que os seus apoios estão agora praticamente limitados à sua própria força política, mas não me admiraria que as deserções comecem a acontecer.
A perda de ligação às dinâmicas de rua (veja-se o teor do cartaz na imagem que abre este post) faz com que não se vislumbre qualquer ponto de entendimento entre o novo governo (cuja composição será um teste de grandeza imensa aos indefetíveis apoiantes de Macron e a alguma sociedade civil tecnocrática que arrisque a passagem pela governação em momento tão complicado) e as forças que se manifestam violentamente. Imagens como as de hoje irão determinar muito provavelmente o reforço da repressão e isso contribuirá para que a distância face ao significado do que se passa na rua aumente sem retorno.
Mas se o ponto de convergência possível é a demissão do próprio Macron isso significaria convocação de eleições, não imagino se apenas legislativas, se integrando também no pacote a antecipação das presidenciais. O Rassemblement National de Le Pen assiste de cadeirinha à agonia do Presidente, confiante de que as tendências de voto lhe serão favoráveis. Assim teríamos mais um país, agora a França, a ser governada pela extrema-direita.
São ainda nebulosas e pouco consistentes as notícias que dão conta de que a única saída possível para Lecornu seria a negociação à esquerda, designadamente com o Partido Socialista, ávido de encontrar algum espaço político de intervenção, após o atribulado caminho das pedras em que se deixou cair. Por outro lado, não são ainda claros os sinais que vêm da rua sobre o envolvimento das forças da França Insubmissa no movimento. Seria necessária uma espécie de sociologia instantânea para compreender não apenas quais são as raízes do Bloqons tout, mas principalmente qual será o sentido de evolução que o movimento pode assumir em função da adesão e resistência que a dinâmica das ruas lhe proporcione.
Arrisco dizer que, ao contrário de outras ocasiões em que Macron consegui encontrar saídas, precárias que baste, para a sua própria agonia, desta vez só lhe restará provavelmente entregar-se nas mãos de um conselheiro matrimonial para resolver outros problemas internos, os do casal Macron. O Presidente agora em agonia parece não ter nem estofo, nem condições de contexto para as escapadelas de motoreta que François Hollande praticava para desanuviamento, não da política internacional, mas do seu ambiente matrimonial.
C’est la France, convenhanos.
Nota complementar de resposta a um comentário
Creio que foi no Linkedin, em que também publico estes escritos, que alguém atento questionou se o título não poderia ser antes - Macron descontrolado ou a agonia da França. Sim, poderia. Embora tivesse preferido associar a agonia a Macron e não à França.

Sem comentários:
Enviar um comentário