(Na primeira página do Público de ontem, sábado, podia ler-se a acompanhar uma grande fotografia do ministro das infraestruturas com a pasta da habitação, Pinto Luz, a afirmação de que “é o incentivo do mercado que fará baixar os preços das casas”. Pinto Luz não pode ser acusado de nos impingir gato por lebre, antes pelo contrário. A sua mensagem de proposta sempre foi a mesma. Uma fé insistente nos mecanismos e incentivos de mercado para resolver um problema que é fundamentalmente resultado de uma falha de mercado. Este não consegue fornecer habitação a preços que correspondam a uma procura solvente e, pior do que isso, as margens de insolvência dessa procura, isto é, a massa de famílias que não conseguem em mercado obter a habitação de que necessitam não para de crescer. A entrevista ao Público confirma essa fé inabalável na ideia de que os mecanismos e incentivos que ditaram a subida vertiginosa dos preços de venda e de arrendamento serão os mesmos que determinarão a inversão desse processo. Essa fé inabalável na regulação espontânea do mercado) é tão obcecada que chega a ser tonta, sobretudo porque não dá conta que ao nível da oferta e da procura de habitação estão a observar-se alterações significativas que impedirão essa regulação espontânea. Não interessa mesmo ter em conta a relativa novidade do conceito de habitação moderada, que inclui como sabemos valores de venda até 648.000 euros e rendas até 2.300 euros. A mera ideologia como instrumento de política de habitação é algo que vai seguramente dar mau resultado.)
A cegueira ideológica na crença nos mecanismos de mercado impede as autoridades governamentais de compreender a onda especulativa que grassa pelo mercado habitacional. Onda especulativa essa que vai absorvendo na melhoria de resultados do negócio de construção e promoção imobiliário qualquer instrumento de política destinado a baixar o valor dos preços de venda e de rendas, como, por exemplo, as descidas de IVA e/ou as bonificações de crédito. Basta estar atento aos sinais evidentes do mercado de que vamos tendo notícia que multiplicam em pouco tempo por três ou por quatro valores de transação de várias tipologias habitacionais e que puxam os valores do arrendamento para cima. A ideia de que existem problemas a nível de construção civil, evidentes por exemplo nos múltiplos projetos municipais PRR cujos concursos públicos ficam a descoberto, cai estrondosamente por terra quando percebemos que os projetos mais especulativos não enfrentam esses problemas. A tal escassez de capacidade de construção desaparece miraculosamente para alimentar a continuidade do processo especulativo. É conhecido que o próprio universo de empresas de construção civil está hoje com uma distribuição territorial profundamente desequilibrado. Basta ver, por exemplo, a dinâmica construtiva no Porto e em Vila Nova de Gaia, alimentada pelo novo traçado do Metro, para perceber que a oferta de construção civil existe, simplesmente está sequestrada pelo mercado mais especulativo.
Mas do lado da procura há também sinais de que a regulação espontânea enfrentará obstáculos de monta. Não existe propriamente um fenómeno de monopolização da procura (monopsónio na procura de habitação), mas essa concentração está a concentrar-se de forma evidente. Existem vários sinais da chegada ao mercado de fundos de investimento e de compradores institucionais ou provados de grande capacidade financeira com poder para adquirir a preços especulativos empreendimentos na sua totalidade ou grandes frações dos mesmos. Podemos agitar a ideia talvez especulativa de que o branqueamento de capitais pode estar a alimentar este processo, mas com ou sem branqueamento o que se verifica é uma forte concentração da procura, gerando uma via natural de reprodução do processo especulativo em curso.
Não é preciso ser um grande especialista para compreender que com este contexto de mercado a fé nos mecanismos e incentivos de mercado é pura ideologia. Os mecanismos de incentivos de mercado produzem para contextos diferenciados resultados também diferenciados.
Obviamente que, no âmbito de uma abordagem alternativa, a colocação de património público ao serviço de programas habitacionais de renda acessível ou de venda a preços moderados e a mobilização de terrenos públicos, designadamente municipais, para promover por exemplo o cooperativismo habitacional que precisa de ser de novo revitalizado são medidas importantes, desde que sejam consideradas no âmbito de programas mais vastos.
O que é fundamental é contrariar a ideia de que a especulação se combate com fé nos mesmos mecanismos que determinaram a sua ocorrência. Nas forças da oferta e da procura as tendências especulativas estão implantadas e isso basta para que esses mecanismos produzam resultados diferenciados.

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