(Os Amigos da Biblioteca de Caminha, com relevo para a ação do Professor Fontainhas Fernandes que passa grande parte da sua vida em Moledo, são uma daquelas iniciativas que considero cruciais para que a vida de municípios tocados pelo fenómeno da sazonalidade possa ser culturalmente animada. Desencontros diversos têm contribuído para que não tenha sido no passado um grande frequentador das diferentes iniciativas promovidas no belo edifício da Biblioteca Municipal. A conjunção dos astros fez com que desta vez pudéssemos assistir à sessão de sábado passado dedicada à apresentação do livro de Manuel Carvalho Amazónia, com intervenção do autor, comentário do Professor Manuel Sobrinho Simões e introdução aos trabalhos do Presidente da Câmara Municipal Rui Lage. Uma sessão simpática e muito informativa, com a graça conhecida de desconstrução das coisas complexas que Sobrinho Simões só ele sabe fazer e com o poder de comunicação de Manuel Carvalho no seu melhor, com aquele vozeirão carregado de clareza. Uma surpresa no final, com o Engenheiro Jorge Dias, com quem profissionalmente tive no passado conversas inesquecíveis sobre o Douro, ainda ele era Vice-Presidente do IVDP antes de assumir funções de gestão na Gran Cruz, a oferecer-nos um copo de um excelente Loureiro, fruto da sua incursão recente pelo vinho Verde. Oportunidade também para rever alguns amigos além do Manuel Carvalho, passando pelo Manuel Cabral, agora por terras de Cerveira, o Rodrigo e a Manuela e obviamente o Professor Fontainhas Fernandes.)
A Amazónia de Manuel Carvalho é um livro de viagens, neste caso cerca de dois meses a calcorrear aquele território explorando toda a série de meios de transporte, no qual o jornalista com a sua curiosidade, aproveitou para desanuviar depois de ter deixado a direção do Público. A intervenção do autor centrou-se sobretudo na exposição da ferida que a Amazónia hoje apresenta, na sequência da invasão e na extensão da fronteira do agro-negócio e sobretudo na explicitação da ideia de que a dimensão do problema não estará provavelmente ao alcance de um governo só, como o do Brasil ou de qualquer outro, exigindo por isso uma intervenção de governação coordenada, até agora impossível de concretizar.
Várias revelações interessantes foram feitas no decorrer da sessão, com relevo para a defesa rigorosa das populações indígenas que continuam desconectas do mundo, sobretudo na perspetiva de evitar todo o contacto com população exterior, dado o perigo mortal dessa população exterior ser portadora de vírus e bactérias que dizimariam rapidamente essas populações.
Mas também a revelação importante de que a pobreza extrema da população cabocla (população indígena já aculturada) a torna especialmente vulnerável às ações do agro-negócio, fazendo avançar a desflorestação a um ritmo impressionante e gerando a animosidade plena contra as políticas conservacionistas impostas pelo tema da sustentabilidade.
O ponto mais interessante do debate suscitado teve origem numa intervenção do auditório, que não consegui identificar, suscitando a ideia de que a visão de Manuel Carvalho da Amazónia era idílica, aproveitando para defender as teses do decrescimento económico, a versão iluminada mais recente das conhecidas teses do crescimento zero. Uma péssima interpretação da intervenção de Manuel Carvalho e seguramente da obra, que obviamente ainda não li, sobretudo porque o jornalista é bem explícito na apresentação da sua ideia de que na Amazónia existe uma ferida aberta cuja cicatrização está além da capacidade de um único país. O decrescimento constitui uma abordagem que ignora olimpicamente a desigualdade mundial, impondo o não crescimento a povos que precisam do crescimento económico para reduzir a pobreza absoluta que neles campeia. Quando muito o decrescimento exigiria um complexo sistema de governação, com perequações suscetíveis de impor o decrescimento aos países mais avançados e abrindo oportunidades de crescimento a outros, dele mais necessitados, mas com reconversões do modelo.
Tenho para mim que o desafio mais relevante que a Amazónia suscita é o da governação mundial e sobretudo a possibilidade de alteração de modelos de consumo dos mais abastados, nunca ignorando o desafio da pobreza absoluta. Tudo isto aparece hoje de pernas para o ar, com a China a fazer o papel de campeão das energias limpas e indústrias elétricas e os EUA a entrarem no negacionismo mais hediondo de regresso aos interesses em torno das indústrias fósseis.
Através dos pequenos exemplos que Manuel Carvalho foi deixando na sua intervenção, creio que como Sobrinho Simões o assinalou aprenderemos muito com a sua leitura.


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