(Gostaria de ter a arte da escrita suficientemente desenvolvida para descrever com alma e minúcia o sentimento estranho que a situação internacional agravada que vivemos me provoca. Um misto de deceção, revolta, impotência e depressão que provavelmente as categorias psicológicas existentes não conseguem apropriadamente classificar. Certamente que a situação de um país independente agredido me incomoda, mas encontro sempre na espantosa resistência dos ucranianos combatentes e dos que ficaram um símbolo de esperança que mitiga o estado geral. Seguramente que a onda de direita radical, violenta e autoritária que avança sob a forma de uma Internacional organizada me faz pensar que os anos de ouro dos 50 e 60 na Europa são hoje uma miragem. Mas existe sempre a possibilidade de um acordar coletivo orientado pelos princípios da liberdade e isso ameniza por si só a incidência da nuvem negra. Mas de todas as tragédias que marcam hoje o mundo, que não está nem para velhos nem para novos, a que mais me afunda é a do genocídio da população palestina, que nos entra despudoradamente pela porta dentro, através da escalada de invasão que coloca os direitos humanos no caixote do lixo da história. Já aqui escrevi que a ofensiva macabra de Israel sobre Gaza e a Cijordânia, perpetrada por um Governo e por um exército que não representam já o sentido mais profundo da população israelita, acompanhada das mais pérfidas práticas de extermínio de uma população indefesa, e a sua ligação ao Hamas é hoje uma invenção dos invasores, tenderá na história do tempo longo a apagar a brutalidade do Holocausto que os Nazis organizaram para exterminar a população judia. O risco de Israel contribuir com a sua própria violência para a banalização da violência inaudita de que foram vítimas na Alemanha nazi é das coisas mais terroríficas que a história nos pode oferecer. Tudo isso perante o nosso olhar impotente.)
Tudo isto acontece enquanto Trump, a personificar o que é o verdadeiro parolo americano, ávido de uma história e de uma realeza que não tem, se passeia embevecido e o “castelão” da sua Melania pelos meandros do Castelo de Windsor, encolhendo os ombros perante a deriva alucinada do amigo e delinquente Netanyahu e alertando o menino mimado para ter cuidado e não agredir um país amigo como o Catar.
Bem sei que a diplomacia tem regras e que é perigoso destruir, violando, essas mesmas regras. Pela direita espanhola e imprensa a ela chegada vai um clamor imenso, zurzindo em Pedro Sánchez pela simpatia que manifestou pelos ativistas que bloquearam a última etapa da Volta à Espanha, protestando pela presença de uma equipa de ciclismo israelita que no meio disto tudo talvez sejam os que menos têm que ver com a atrocidade do seu Governo. Mas a situação de impunidade de quem agride e de impotência de quem é obrigado a fugir de uma invasão desumana gera simpatia pelas manifestações que se afastam do tradicionalismo da diplomacia. A Europa, dependente de uma Alemanha que continua a lavar a sua má consciência, avivada agora pela necessidade de se rearmar, continua com as dificuldades do costume para concretizar ações de repúdio e fazer chegar ao governo de Israel a mensagem de que não se intimida com o fantasma do antissemitismo. Aliás, Netanyahu e seus pares têm feito mais pelo crescimento do antissemitismo do que os mais acérrimos defensores do mesmo alguma vez conseguiram. A Espanha, a Noruega e a Irlanda têm-se destacado em não se reconhecerem na leveza diplomática de Von der Leyen e da quase inexistente representante da política externa europeia. Sánchez pode e tem de facto os maiores defeitos do mundo por se ter deixado enrolar nas malhas da corrupção que avançou pelo PSOE adentro. Mas em matéria de política externa e de condenação das atrocidades de Israel, Sánchez representa o que uma grande parte do cidadão europeu pensa do genocídio em Gaza e na Cijordânia. Basta de chantagem histórica. Honrar a memória do trágico Holocausto é renunciar à ideia de genocídio da população palestiniana.
Já em 2018 quando a célebre marcha de regresso da população palestiniana levou à repressão israelita e 312 mortos palestinos se anunciava a ideia de que os radicais de Israel só descansarão quando assegurarem o extermínio anunciado. O Hamas com a sua brutal operação em território israelita forneceu a Israel o pretexto pelo qual procurava com ansiedade. O que se passou depois e o que se passa agora com a operação de ocupação de Gaza, a Cijordânia virá a seguir, está já para lá da narrativa de resposta a um brutal e impiedoso ataque. É pura vingança genocida.

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