segunda-feira, 8 de setembro de 2025

RYANAIR VERSUS GALIZA E O SÁ CARNEIRO APROVEITA

 

(Alertado por olhar atento, registo que o El Correo Gallego, jornal galego com maior difusão em Santiago de Compostela e na Corunha, dava conta no passado dia 4 de setembro da sequência de conflitualidade que vai opondo a Ryanair às autoridades galegas. O jornal galego não é meigo e fala mesmo de chantagem da companhia aérea irlandesa, já que o governo galego não tem sido pródigo nas ajudas e incentivos que a Ryanair gosta de receber como contrapartida da sua implantação num dado aeroporto e das rotas que promove. O jornal dá conta de um pormenor que desconhecia. As autoridades galegas não seguem a prática nortenha de ajudas por objetivos e não a fundo perdido e estão longe de gerir um sistema de incentivos às companhias aéreas tão desenvolvido, apesar da sua autonomia regional. A questão aeroportuária galega não é nova e tem a sua origem na existência de três infraestruturas aeroportuárias, a de Lavacolla em Santiago de Compostela, pressuposta como aeroporto galego mais importante, Peinador em Vigo e Alvedro na Corunha. A existência de três aeroportos num território como o da Galiza parece manifestamente exagerada para o nível de internacionalização da Região. A criação de rotas fora do centralismo de Madrid sempre foi tímida e embora Lavacolla mantivesse mantido no passado uma ligação que poderia ser potencialmente interessante à América Latina para tirar partido designadamente da diáspora galega, a verdade é que sem ou com Ryanair as ligações aeroportuárias da Galiza nunca se aproximaram do potencial de internacionalização do aeroporto de Sá Carneiro. Esta é uma evidência que a imprensa regional galega, largamente politizada, nunca aceitou de bom grado, recusando-se a reconhecer a reciprocidade que existirá durante algum tempo no TGV – os nortenhos irão com os atrasos do TGV nacional utilizar durante algum tempo a chegada do AVE a Vigo para deslocações por exemplo a Madrid.)

Os exageros do nacionalismo galego são por demais evidentes quando comparados com o sentimento regionalista, que sempre considerei inexistente, das gentes do Norte, por ser imensamente fraturado. Assim, por exemplo, convive-se bem por cá com a “invasão” da Zara e de outras marcas, ao passo que a chegada de qualquer interesse económico nortenho ou português na Galiza é sempre encarada com grande conflitualidade, por vezes armadilhada com considerações ambientalistas, como foi o caso mais recente da Altri, que não sei bem se nesta altura terá resolvido os problemas da sua localização em território galego.

A Ryanair não é obviamente flor que se cheire, mas neste caso os galegos estão a pagar caro o regionalismo da sua infraestrutura aeroportuária. Exagerando nos termos da comparação, o aeroporto de Sá Carneiro é, em termos de potencial de conexão internacional e com as devidas proporções, a Zara do transporte aéreo. As ajudas à Ryanair são relevantes, entendamo-nos. Mas a verdade é que a própria companhia aérea cedo percebeu que o aeroporto de Sá Carneiro tinha um elevadíssimo potencial de geração de rotas para segundas e terceiras cidades europeias, respondendo a uma procura cansada de ter de demandar o aeroporto da capital para se conectar com o mundo. E como o jornal galego o assinala com pertinência, o aeroporto tem conseguido evitar a dependência excessiva em relação à Ryanair, sendo o seu potencial reconhecido por companhias low cost como a Easy Jet e a Vueling, por exemplo, mas também por companhias de bandeira importantes como a Lufthansa ou a Turkish Airlines, mas também da KLM, British Airways, Air France ou Ibéria e Air Europa. Tudo isto apesar do centralismo da TAP que continua a privilegiar as ligações via Lisboa.

Assim, bem podem os jornais galegos continuar a insurgir-se seja com o realismo ou chantagem da Ryanair ou com a falta de destreza das autoridades galegas. O problema subjacente mais importante não é esse. Primeiro, é manifesto que três aeroportos para uma região como a Galiza é excessivo e a gestão das três infraestruturas não tem ao que vou sabendo a melhor coordenação possível. Ouço, por vezes, o caso da Irlanda ser citado, com uma rede importante de aeroportos, não sei exatamente o número, mas é elevado. Mas nesse caso, a Irlanda optou por não fazer grandes investimentos rodoviários e apostar em aeroportos como cobertura da internacionalização. Segundo, o potencial de internacionalização da plataforma do Porto está já afirmado há muito tempo e as ajudas à Ryanair limitaram-se a iniciar a dinâmica que se anunciava de rendimentos crescentes.

O recuo da Ryanair é de facto chocante. Segundo o El Correo Gallego: “a partir de outubro a low cost irlandesa suprimirá os voos através de Santiago para Alicante, Palma de Mallorca, Madrid, Málaga, Barcelona, Gran Canária e Saragoça. Mas já tinha suprimido operações para Bruxelas (Charleroi), Dublin, Fuerteventura, Ibiza, Menorca, Memmingen, Milão, Bolonha, Gerona, Bordéus, Edimburgo, Frankfurt, Paris, La Palma ou Marselha”.

No aproveitar é que está o ganho e por isso, através de soluções de conectividade rodoviária de autocarros relativamente rápidos, já que a alta velocidade continua por cá em pequena velocidade, o aeroporto de Sá Carneiro continua a sugar a procura galega. O jornal fala que dos 16 milhões de passageiros anuais do Sá Carneiro cerca de um milhão e setecentos mil são galegos (o tráfego em Lavacolla em ano recorde de 2024 foi de 3,6 milhões de passageiros).

Regionalismo e mercado interno europeu alimentam-se obviamente de reciprocidades que os interesses galegos parecem apostados em desvalorizar. A curiosidade deste tema está no facto de em ambos os países, Espanha e Portugal, predominar o centralismo do transporte aeroportuário. Analisando a dinâmica criada, o Norte, via aeroporto de Sá Carneiro, parece estar a superar melhor esse obstáculo, capitalizando o estatuto de segunda cidade, mesmo que de um país mais pequeno do que a Espanha. Sem ignorar que a Ryanair pode manipular ajudas, é também indiscutível que a companhia irlandesa compreendeu bem cedo o potencial de negócios e de lazer turístico que o Sá Carneiro poderia representar. Só o regionalismo mais cego não compreenderá essa evidência.

Correção (realizada às 12 horas)

Foi corrigido o texto da introdução, onde ao contrário do que resultava da errada formulação inicial, as ajudas concedidas à Ryanair pelas autoridades nortenhas são realizadas por objetivos e inseridas num quadro global de incentivos fortemente articulados com as apostas turísticas da Região. 

 

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