(Relvado do Palácio de Monserrate, onde se realiza anualmente o festival de Jazz com o mesmo nome, sítio ideal para desvalorizar controvérsias como a das comadres desavindas)
(Fim de semana por terras de Sintra para reunião familiar de fim de férias, aproveitando o conhecimento profissional do meu filho Rui para redescobrir velhos sítios como Monserrate ou os Capuchos, a Pena está inacessível tanta é a massa de turistas com visitas marcadas, logo pouco tempo para escrever. Os temas para o fim de semana são obviamente a nossa cultura de (não) segurança, transparente no acidente trágico do elevador da Glória, que me merecerá nos próximos dias uma reflexão sobre as condições em que a externalização de serviços de manutenção está a ser feita em inúmeras infraestruturas, mas queria fixar-me na controvérsia que estalou entre a Reitoria da Universidade do Porto, a Direção da Faculdade de Medicina do Porto e o Ministro da Educação Fernando Alexandre. Intitulei a reflexão de as “Comadres desavindas”. A designação não é depreciativa, conheço as personagens, tenho até uma excelente impressão do Ministro. Mas a minha interpretação é que a controvérsia trouxe simplesmente à luz do dia tensões que existem há já algum tempo. A questão das entradas especiais em Medicina do Porto foi simplesmente o combustível para revelar a tensão já existente e que por vezes se manifesta com maior contundência. Vou tentar explicar-me para que não fiquem com a ideia que são mexericos. Não, são simplesmente relações entre instituições que deveriam ser mais claras e menos sujeitas às incompatibilidades dos egos, e alguns são bastante fortes.)
Comecemos pela relação entre a Reitoria da UP e a Direção da Faculdade de Medicina. Há relativamente pouco tempo, tive a oportunidade de realizar algum trabalho de planeamento estratégico com a Reitoria da UP, que haveria de ser posteriormente interrompido com as eleições para a Reitoria. Contactei com todas as unidades orgânicas da UP, que foi sem sombra de dúvidas a parte mais interessante do trabalho. A reunião com a unidade orgânica da Faculdade de Medicina do Porto foi um “monumento” de frontalidade, dirigida pelo controverso Professor Altamiro Costa Pereira. Conhecia há muito a rivalidade (para mim incompreensível e desajustada nos tempos que vivemos) entre as comunidades da Faculdade de Medicina e do Instituo de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Historicamente, essa rivalidade teve algum sentido, já que as Biomédicas pretendiam sob a inspiração de Corino de Andrade e Nuno Grande seguir um rumo alternativo na formação em Medicina, tornando-a mais interdisciplinar e com especialização desejável na saúde comunitária. O tempo passou, a procura do rumo alternativo foi-se e Biomédicas e Medicina são hoje Faculdades miméticas, concorrendo pelo mesmo e com, respetivamente os Hospitais De Santo António e de S. João como unidades hospitalares de suporte. Se António Sousa Pereira (Reitor e ex-professor nas Biomédicas) e Altamiro Costa Pereira são os centros da controvérsia e aparecem ligados às suas instituições isso não deveria ter qualquer importância em termos institucionais. Mas não é assim e até passou por uma candidatura inglória de Altamiro à Reitoria.
Tal como contam os jornais que deram conta da controvérsia, com destaque para o Expresso, o incidente revela falta de comunicação entre as duas instituições, vou pressupor que sem dolo, o que face ao contexto conhecido pode ser manifestamente discutível. É um facto que existe um critério de nota mínima de 14 valores para os candidatos a esta via especial de entrada e é também certo que o júri da Faculdade de Medicina do Porto que apreciou as candidaturas meteu foice em seara alheia quando propôs a substituição da nota mínima de 14 pela de 10 valores. Mais ainda terá comunicado diretamente aos interessados que teriam a entrada garantida mesmo sem a nota mínima de 14, sem dar conhecimento ao Reitor que tem a incumbência legal de homologar os resultados do concurso. Quanto ao Reitor António Sousa Pereira não esteve mal na não homologação, mas é dúbia a sua declaração ao Expresso de que teria tido pressões de gente influente e com acesso ao poder, criando a ideia talvez errada de associar essas pressões à conversa telefónica que teve com o Ministro.
Portanto, entendamo-nos, é conhecida a falta de lisura institucional entre a Reitoria e a Faculdade de Medicina, sendo tão conhecida que nos comunicados da Federação Académica e da Associação de Estudantes essa não relação é mencionada com todas as letras.
Mas existe o outro plano das interrogações que pairam sobre a relação entre o Ministro da Educação e os Reitores em geral. É conhecido de todos que a chegada de Fernando Alexandre ao Ministério foi olhada com reservas pelos Reitores e o da UP não fugiu à regra. O facto de o Ministério não ter sido dedicado ao Ensino Superior, os propósitos reformistas do Ministro, a sua decisão de substituir a FCT e a ANI por uma única agência focada na translação do conhecimento e o facto do Ministro vir de uma área científica, a Economia, contrariando o duopólio das ciências da vida e das engenharias tudo ajudou a uma relação institucional tensa ou, pelo menos, incomum face a governos anteriores. A entrada de Fernando Alexandre na controvérsia foi de uma dureza algo desabrida, acusando o Reitor da UP de mentir neste processo, o que não é líquido pois as declarações de Sousa Pereira ao Expresso não permitem associar diretamente as tais pressões que mencionou ao Ministro.
Temos pois um triângulo, não amoroso, mas que revela tensões de vária ordem, penalizando o ambiente institucional que deveria ser fluido e transparente, além de favorável à perspetiva reformista do Ministro, que não é coisa dispicienda neste país de letrados e de Senadores que fogem da mudança como o diabo foge da cruz. Neste triângulo, apesar da sua posição desnecessariamente desabrida, o Ministro é aquele que deve ficar. Quanto às duas restantes personalidades, a bem da coerência institucional da UP, seria bom que dessem lugar a outras personalidades. Prestariam um grande serviço à comunidade académica do Porto.

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