segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O RECONHECIMENTO DA PALESTINA

 

(Finalmente, o governo português decidiu-se e alinhou com o grupo de países que se anteciparam à Assembleia Geral das Nações Unidas, com destaque para a Austrália, Canadá e Reino Unido e reconheceram o Estado da Palestina. Não haverá muitos exemplos de reconhecimentos como este, sobretudo nas condições em que uma população martirizada foge de Gaza para evitar o extermínio israelita e vê reconhecido por grande parte da comunidade internacional o seu direito à existência como Estado. Ficámos, entretanto, a saber que o CDS na sua insignificância pomposa e desesperada de prova de vida se opôs ao reconhecimento, contrariando o líder da coligação que lhe permite governar e ao qual deveria dar graças infinitas porque sem isso teria já sido erradicado do mapa político, sem que isso tivesse perturbado a nossa felicidade. Não estão em causa os valores da democracia cristã e a importância que a sua preservação poderia hoje representar. O que está em causa é a desgraçada baixa qualidade dos que lhe couberam em sorte preservar o partido, basta estar atento às múltiplas deserções observadas nos últimos tempos e comparar a relevância de quem sai e de quem fica. Mas quanto ao reconhecimento, por mais simbólica que esta decisão possa ser, bastaria assistir à furiosa e ameaçadora reação televisiva de Netanyahu, afirmando com aquela cara de facínora disfarçado que nunca haverá Estado da Palestina, para compreender a importância deste reconhecimento e bastaria isso para que a passagem de Paulo Rangel pela governação deixasse um rasto positivo. Creio que um dos pontos-chave a acompanhar com atenção serão os efeitos que este reconhecimento poderá provocar na Autoridade Nacional Palestiniana, seja do ponto de vista da sua credibilidade interna, afastando todos os fumos de corrupção aos quais não conseguiu resistir, seja do ponto de vista da sua distanciação relativamente aos métodos e intransigência do Hamas. Este vai ser o nó górdio de toda a tramitação subsequente, já que para tragédia dos palestinianos a ANP perdeu grande parte do poder de representação da martirizada população palestiniana que já teve designadamente nos tempos mais relevantes de Yasser Arafat.)

Bem sei que a grande maioria dos detratores deste reconhecimento vai navegar no tema do simbolismo inconsequente do ponto de vista prático, avançando que a tese dos dois Estados está ameaçada pela violência israelita e pela intransigência do Hamas, que combinadas geram uma interminável espiral de violência.

Mas nas condições atuais em que o extermínio e genocídio da população palestina se encontram, o reconhecimento daqueles atos abana a situação e incomoda seriamente o propósito israelita de impor a narrativa da reação proporcionada. Por isso, Israel, com a ajuda circunstancial de Trump e dos EUA, tentou tudo por tudo para evitar este reconhecimento. A sua fúria, ontem expressada, não é circunstancial, antes adensa a ideia cada vez mais generalizada de que o radicalismo violento de Netanyahu é uma forma de salvar o seu próprio coiro e continuar a manter a proximidade aos judeus ultra e mais ortodoxos. Mas o reconhecimento é também uma grande responsabilidade para a comunidade internacional que o protagonizou. Nada poderá ser como dantes, em termos de indiferença e de ausência de condenação de Israel. A começar pela insuportável indefinição europeia, leia-se da União.

 

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