sexta-feira, 26 de setembro de 2025

INTERDEPENDÊNCIAS MALÉVOLAS

(O processo de decisão política em Portugal, veja-se como exemplo o descompensado arrastamento do investimento do novo aeroporto, no qual estou certo irromperão obstáculos diversos no seu aparente já decidido caminho, é uma forma muito nossa da máxima Lampedusiana de alguma coisa tem de mudar para ficar tudo na mesma. Esse atavismo de protelamento de decisões tem algo de kafkiano pois a um cidadão comum, mesmo que dotado de alguma informação técnica, é difícil compreender o argumentário que vai atrasando a decisão. Este é também o caso que atravessa toda a programação ferroviária em Portugal, que implica como sabemos a decisão de realizar os novos investimentos, designadamente da Alta Velocidade, em bitola ibérica ou internacional, alinhando neste último caso com a opção europeia já largamente implementada. O cidadão comum diria que, embora ponderando os custos, a bitola internacional é a recomendada, pois estamos a falar de um tempo em que a integração europeia é cada vez mais crucial e de areias na engrenagem já outros se encarregam amplamente de criar. Pois parte da nossa “ilustre” engenharia ferroviária continua a defender que é possível uma solução de compromisso, ai a nossa maldita mania da especificidade, permitindo a todo o tempo adaptar a solução da bitola ibérica à internacional. O que para mim ressalta claramente desta posição é que a nossa engenharia ferroviária atribui maior prioridade à compatibilização da rede de alta velocidade com a restante rede ferroviária em detrimento da aposta efetiva na integração e alinhamento com a opção da bitola europeia. Mas a argumentação defensiva praticada envolve também a invocação da posição das autoridades espanholas e o risco de sermos surpreendidos por uma eventual opção pela bitola europeia encontrar nas zonas fronteiriças espanholas uma eventual opção pela bitola ibérica. Para seguir este imbróglio que vai protelando a decisão política, vale a pena continuar a ler os jornais espanhóis, se não fora por outros motivos para que não nos tomem por parvos.)

Quem segue como eu com alguma regularidade a vida política e económica galega, hoje mais por curiosidade intelectual do que por questões de trabalho profissional, que não tem existido nessa matéria, conclui rapidamente que existe aqui uma interdependência malévola, incompreensível e manhosa, pois estamos a falar de uma relação diplomática e política que é fluida e que não suscita obstáculos de monta. A não ser os que as administrações inventam para justificar o atavismo das suas decisões.

A VOZ DE GALICIA de hoje volta ao assunto, dando conta que a região galega está como não pode deixar de ser a ponderar o futuro da sua rede de alta velocidade, já que o AVE (TGV espanhol) já chegou a Ourense e através dos comboios AVRIL está já conectada com as restantes cidades do eixo atlântico. Nessa ponderação está integrada a opção da substituição da bitola ibérica pela internacional, quer na ligação Vigo-Santiago-Corunha, quer na ligação entre Santiago e Ourense. A opção pela bitola europeia-padrão é não só defendida pela Comissão Europeia na sua projeção do futuro do Eixo Atlântico, quer mais recentemente pela Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência que, na sua leitura dos obstáculos ao desenvolvimento do transporte ferroviário, opta claramente pela bitola europeia.

Mas a situação não é tão clara como isso, pois o Governo de Madrid (Ministério dos Transportes) e a própria ADIF (empresa ferroviária) invocam dificuldades técnicas para a opção e, mais do que isso, escudam-se na posição portuguesa de manter internamente a solução da bitola ibérica. A interdependência malévola é tão clara que se torna irritante. Pela banda de cá, invoca-se o risco de o parceiro vizinho poder decidir pela ibérica para não optar desde já pela europeia. Da banda de lá, toma-se como garantido que em Portugal a opção é de manter a bitola ibérica. A isto chama-se impunemente brincar com a inteligência do cidadão comum. O iberismo significa isolacionismo a nível europeu e a falta de ambição para o Noroeste peninsular é de bradar aos céus. Continuo não convencido pela solução da adaptabilidade que a nossa engenharia tanto apregoa como a solução de compromisso mais sensata.

Uma vez mais o atavismo da decisão política se manifesta no seu esplendor. E o que é mais lamentável é que nem a existência de autonomia regional do outro lado da fronteira nesse Noroeste supera o problema.

O bem informado jornalista da VOZ Pablo González coloca pertinentemente a questão: “A pergunta que deve ser feita é se a Galiza tem de submeter-se aos interesses domésticos de Portugal?”

 

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