terça-feira, 9 de setembro de 2025

TRISTES EVIDÊNCIAS SOBRE OS MANDATÁRIOS DE GOUVEIA E MELO

 

 (A projeção pública das candidaturas às eleições presidenciais de 2026 está a ser concretizada aos bochechos, com obviamente a mediatização das autárquicas já aí ao virar da esquina do mês de outubro a apagar o rasto do que os anunciados candidatos se esforçam por marcar. Mas a situação política em geral tem contribuído para também apagar a presença dos candidatos. Nas últimas semanas, António José Seguro parece ter-se eclipsado à espera de Godot, neste caso do apoio do PS de José Luís Carneiro. Este parece fiel ao seu compromisso público, perigoso, de só colocar o PS a pronunciar-se depois das autárquicas. Gouveia e Melo e Marques Mendes apareceram modestamente, aproveitando qualquer incidente, mundano ou trágico, para dizer aos portugueses que continuam na corrida. É, de facto, uma caminhada desconjuntada para as presidenciais a que temos assistido. Com candidatos tão canhestros, a relevância política das suas presenças tem-se manifestado mais em evidências indiretas do que propriamente através das ideias que valha a pena reter. Para este post, escolhi o tema dos mandatários de Gouveia e Melo, com material suficiente para destilar a minha profunda desilusão com o que se antecipa para as presidenciais de 2026. Existem aceitações que me provocam a mais profunda perplexidade e vou comentar apenas duas para conter a minha deceção nos limites de um post que não desejo que seja muito longo.)

Não sendo ainda possível perceber se a candidatura do Almirante irá mudar o rumo com que se apresentou aos portugueses, Gouveia e Melo perfilou-se com um discurso anti-partidos políticos que me pareceu claro, escondendo essa posição sob a capa de liderança de situações difíceis, procurando capitalizar a sua imagem que ficou do processo de vacinação e do seu poder de comando. Não direi que se trata de uma candidatura antissistema, mas, por mais que me tentem convencer, as suas ideias, até agora coisa rara, não se demarcam suficientemente da postura do Chega. Não está em causa que os candidatos a Presidente com filiação partidária se desvinculem regra geral das suas ligações partidárias para poderem expressar a máxima que serão Presidentes de todos os portugueses. Mas esse facto não significa que as suas candidaturas hostilizem o sistema partidário que, por mais abalado que possa estar, são a estrutura central de um sistema democrático. Ora, o discurso até agora conhecido de Gouveia e Melo é equívoco nesta matéria e gera-me uma ampla suspeição.

Neste contexto, para minha perplexidade, a indicação de Rui Rio para mandatário nacional é, no mínimo surpreendente, já que à falta de melhor informação Rio continua a ser um militante do PSD. Não vislumbro qualquer ideia pública de Gouveia e Melo que possa antecipar a convergência da candidatura com algumas das ideias que Rio tem publicamente defendido, por exemplo na área da justiça, na qual o ex-líder do PSD é dos críticos mais coerentes do Ministério Público e do modo como a justiça portuguesa parece alheia a qualquer reforma. Por isso, com a informação disponível, a aceitação da posição de mandatário nacional presta-se a todas as especulações, envolvendo seja a materialização de uma forte animosidade contra Marques Mendes (cujo conteúdo desconheço e não me interessa), seja algum mal-estar contra o seu próprio partido e Montenegro e seus pares mais próximos. De qualquer modo, ao apoiar Gouveia e Melo e as ideias que suportam a sua candidatura, Rio dá ao cidadão nacional uma ideia errada quanto à sua própria defesa da democracia. Como diria alguém conhecido, não havia necessidade. Esta gente não enxerga o significado das posições que assume, no contexto de um político com notoriedade.

Já não falo de outras adesões à candidatura do Almirante como, por exemplo, a de Isaltino Morais. 

Há dias, tive outro sobressalto cívico com a informação publicada nos jornais que o mandatário regional por Viseu de Gouveia e Melo seria o beirão Correia de Campos do PS. Eu bem sei que o afastamento dos holofotes da política causa perturbação a muita gente, sobretudo a alguém como Correia de Campos que sempre gostou da controvérsia mais belicosa, que gosta de ir à luta para se sentir vivo. Bem sei também que o PS tem andado a brincar com o fogo das presidenciais, adiando a sua tomada de posição, com a desculpa das autárquicas, mas sabemo-lo bem que a razão é outra – a escolha será dura e nunca terá a unanimidade desejada para esta fase no partido. Desconheço ainda qual é a relação entre Correia de Campos e o candidato António José Seguro, até pode acontecer que Seguro seja para Correia de Campos uma espécie de óleo de rícino ou de fígado de bacalhau, ou coisa mais amarga ainda, e que ele considere que na sua idade já não é tempo de tomar aquele tipo de xaropes. Mas convenhamos que ser mandatário regional de um candidato cuja relação com as posições antissistema é demasiado nebulosa para meu gosto não lembraria a um socialista, por mais controverso que ele seja. O que levará um político e um profissional de mão cheia a manter-se nos holofotes da política apoiando uma candidatura como a de Gouveia e Melo? Estará o homem a protagonizar um cálculo político por antecipação, jogando numa vitória do Almirante e apostando em alguma notoriedade futura, eventualmente zangado com as indefinições do seu próprio partido? É um desgosto sincero assistir à queda de coerência dos políticos que apreciávamos, sobretudo num contexto em que o sistema partidário está ameaçado, em parte por sua própria culpa, mas também porque vivemos uma onda de antissistema político democrático, movida por interesses inconfessáveis que jogam o jogo da democracia simplesmente para a enfraquecer.

E, por hoje, chega de desabafos. Estou em crer que as presidenciais ainda irão proporcionar-me outros momentos de desabafo. Tenho por isso de reservar alguma reserva de perplexidade para não perder o fio à meada.

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