domingo, 21 de setembro de 2025

TAX THE RICH


(Definitivamente, não estamos em tempos das palavras e das ideias de os economistas andarem nas bocas e nos cartazes dos cidadãos que protestam no espaço público contra uma política qualquer. A perda de relevância social dos economistas é notória, seja porque se puseram a jeito enveredando por investigação que parece adaptar a realidade aos seus pressupostos, seja porque o populismo autoritário os identifica com a elite a abater, porque desconectada do povo que julgam representar. Nos últimos desenvolvimentos em França, com uma forte e radical movimentação social que varre as ruas das principais cidades, tendo como Macron por principal adversário a abater, há uma exceção a essa regra. Na grande maioria dos cartazes das manifestações mais representativas, a ideia de que os mais ricos devem contribuir decisivamente para a mitigação dos desequilíbrios orçamentais surge amplamente documentada. Ora, todos os slogans construídos em torno dessa reivindicação estão associados ao “Tax the rich” que o economista Gabriel Zucman cunhou em inúmeros trabalhos. É assim raro que uma palavra de ordem de relevantes manifestações tenha um fundamento em investigação empírica e teórica de um economista representativo, mas é isso que se passa em França. Obviamente, em torno dessa palavra de ordem existe uma forte controvérsia, de natureza simultaneamente económica e política. O discurso catastrofista do empresariado francês mais à direita suscita o fantasma da destruição de investimento que a medida irá provocar. Num país em que a carga fiscal é já bastante elevada, L’État Protecteur oblige, a medida implicaria a debandada do investimento em França, correndo o risco de anular o efeito-receita a que ela se destina, tendo em vista a situação periclitante em que a questão orçamental se encontra. A proposta de Zucman já não é novidade em alguns países. Espanha, Noruega e Alemanha já aumentaram os impostos sobre a riqueza e não existem sinais de que tais medidas tenham feito desacelerar o investimento. O lado catastrófico da controvérsia é que a alternativa foi ensaiada através de cortes no sistema de pensões, mexidas nas reformas dos franceses e outros cortes no sistema de saúde pública. A movimentação nas ruas mostrou como tais alternativas são sensíveis e explosivas.)

Zucman não é um economista qualquer. Recordemos que em 2023 ele recebeu o prestigiado prémio John Bates Clark da American Economic Association, medalha que premeia o economista mais prestigiado em cada ano com idade abaixo dos 40 anos. E a American Economic Association não é propriamente uma associação de economistas esquerdistas. Alem disso, Zucman escreve frequentemente com Emmanuel Saez um dos economistas americanos atuais mais prestigiados.

Uma das linhas da controvérsia aponta por vezes para a inexistência de escala fiscal suficiente para garantir uma base de incidência com magnitude bastante para gerar receita. Esse é por exemplo o argumento que em Portugal foi utilizado pelo jornalismo económico para criticar a possível nulidade das propostas fiscais do Bloco de Esquerda, que tem sido a força política mais próxima das teses de Zucman. Aplicando o seu raciocínio a França, Zucman estima em 1800 o número de personalidades com evidência de riqueza que justifica a aplicação do imposto. Uma taxa de 2% implicaria segundo ele um efeito fiscal de 20 milhares de milhões de euros, que não é coisa pouca atendendo ao estado da arte orçamental em França, nada favorável em termos de situação financeira internacional.

O que é curioso é que a chamada taxa Zucman já foi objeto de aprovação em fevereiro deste ano, embora se tenha posteriormente perdido nas maiorias políticas do Senado francês.

Compreende-se a animosidade dos manifestantes para com Macron. O plano de redução fiscal dirigido às empresas para estimular níveis de competitividade do investimento empresarial em França é, em parte, responsável pelos problemas orçamentais, já que veio acompanhado de uma substancial redução de receita fiscal, estimada em cerca de 50 milhares de milhões de euros.

O Presidente francês está em maus lençóis pois uma investigação recente – Le Grand Détournement” de Matthieu Aron e CarolineMichel-Aguirre - mostra que os incentivos fiscais têm sido uma prenda fabulosa de cerca de 270 milhares de milhões de euros para as empresas e para os mais ricos, adensando ainda mais a perturbação criada pela tentativa de resolver a questão orçamental através de rombos no Estado Social, que os franceses tanto prezam.

Sabemos que a prodigiosa distribuição que o Capital de Thomas Piketty, um livro sobre a distribuição de rendimento e de riqueza no quadro da economia capitalista atual, representou um momento único de difusão da obra de uma economista, coisa nunca antes alcançada por nenhum economista, mesmo entre os academicamente mais prestigiados. A audiência alcançada pelo livro de Piketty ainda é para mim um mistério. Na mesma onda, temos agora a obra, as evidências recolhidas e as propostas de um outro economista, Gabriel Zucman, a enriquecer os cartazes de violentas manifestações em França. Curiosamente, dois economistas nascidos em França e que se destacaram nos Estados Unidos. Sem mistério algum, ambos investigam por vias travessas o tema da desigualdade.

Existe aqui uma lógica que é possível ser estudada. Há a dimensão estrutural de um problema e nenhum economista dos que preferem adaptar a realidade aos modelos e não o contrário conseguiu encontrar ideias com notoriedade para o enfrentar. São dois economistas que se movimentam noutro universo de preocupações que alcançaram essa notoriedade e Zucman passou mesmo diretamente para os cartazes reivindicativos. Claro que para a grande maioria dos economistas asséticos isso seria um horror de grandes proporções. Cruzes credo, que contaminação.

 

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