domingo, 14 de setembro de 2025

MAIS PERIGOSO DO QUE UMA ONDA …

 



(É impossível, e pouco recomendável, ficar indiferente à dimensão da manifestação anti-imigração realizada em Londres, organizada por um ativista de extrema-direita e que certamente foi apoiada pelo partido de Farage e outras forças políticas obscuras britânicas. Mas, à medida que a evidência deste tipo vai sendo acumulada por esse mundo fora, é para mim inequívoco que está em curso uma espécie de outra Internacional, galvanizada por princípios de extrema-direita e que me parece está a ser conscientemente financiada por gente com dinheiro a rodos como Elon Musk. Tal como o fez muito recentemente Branko Milanovic em conferência realizada na universidade de Columbia, em Nova Iorque, nunca como agora esteve na berra o debate sobre os conceitos de democracia. Milanovic invoca o conceito restrito de democracia que Schumpeter desenvolveu no incontornável Capitalismo, Socialismo e Democracia: a luta entre partidos políticos para alcançar o maior número de votos e por essa via o direito a governar. Esta invocação parece-me oportuna, pois aquilo a que estamos a assistir, alguns de nós com indisfarçável perplexidade, é o confronto acesso entre o modo ágil e muitas vezes fraudulento como a direita mais radical está a agilizar este conceito restrito de democracia e a forma ainda pouco eficaz e organizada como a esquerda e a direita moderada contrapõem a esse conceito mais restritivo conceitos constitucionais mais amplos de democracia, propondo-se evitar em urnas essa deriva).

A dimensão e consistência do que estamos a assistir, de que a manifestação de Londres é apenas um elemento a valorizar entre outros, apresentam hoje uma incidência mundial generalizada, com a variante comum de que praticamente todas as forças políticas associadas têm respaldo nas urnas. Mas há outras evidências recentes que fazem parte deste movimento amplo e organizado. O congresso da direita radical europeia, no qual Ventura se passeou como peixe na água, faz parte dessa dinâmica. E poderíamos acrescentar a ameaça da viúva de Charlie Kirk, segundo a qual não se imaginam as consequências do assassínio do seu marido e que forças ele vai desencadear. Obviamente, que nem todos os atos eleitorais que deram expressão de participação a estas forças foram limpos e isentos de adulterações do sentido de voto. Mas é inequívoco que tais forças utilizaram o conceito restrito de democracia de que falava Schumpeter para se expressar no espaço político.

Se acrescentarmos a esta furiosa chegada da direita radical ao voto expressivo em urnas a percentagem elevada de cidadãos que se desinteressam do direito de voto, como aconteceu nos EUA com a eleição de Trump, em que 40% do eleitorado não se dignou mexer-se do sofá para ir votar e cumprir o seu direito democrático, é fácil compreender o grande desafio enfrentado pelos que continuam, provavelmente com discursos desajustados, a defender o conceito mais alargado de democracia. Esse desajustamento é, segundo Milanovic, extensivo aos que navegam na política internacional e representam as boas consciências das instituições internacionais.

O fenómeno representado por Kirk merece também estudo aprofundado pois estamos perante um discurso que logrou penetrar o eleitorado mais jovem, até aí avesso à participação política, proporcionando-lhe condições de expressão de pensamento que as forças políticas democráticas, designadamente do seu conservadorismo, que nós, perplexos, considerávamos ser incompatível coma rebeldia dos mais jovens. O assassinato de Kirk acrescentou seguramente a esse universo mais fiéis, fazendo parte da onda a que me referia no início desta crónica.

Podemos, assim, concluir que a ciência política é hoje incapaz de explicar o comportamento desviante (face aos cânones democráticos) de uma grande parte do eleitorado. A sondagem da AXIMAGE, vale o que vale, não me inspira grande confiança é certo, parece mesmo assim descrever uma tendência entre o eleitorado português que vai na linha do movimento mais amplo que se tem instalado por todo o mundo. A metáfora de Carlos César do canivete suíço de bugiganga barata que se desconjuntou quando foi necessário utilizá-lo é mediaticamente sugestiva, mas talvez ignore que estamos perante um movimento mais perigoso do que todas as gafes possíveis de Ventura e seus pares poderão sugerir. E não ignoremos a possibilidade de estar a ser financiado por forças inconfessáveis, que estarão por certo também presentes na sociedade portuguesa.

 

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