(A industrialização asiática, particularmente de países como a Coreia do Sul e Taiwan, mostra com clareza como esses países alteraram substancialmente a sua estrutura de exportações, por isso o modelo é designado de “industrialização por substituição de exportações”, fazendo-o em economia aberta e através de um processo, simultaneamente determinado e engenhoso, de imitação primeiro, assente na difusão e absorção de tecnologia que outros produziam, para depois enveredarem por uma autonomia tecnológica com elevado desempenho de inovação. Foi assim com a indústria automóvel, com as telecomunicações e mais recentemente com os semicondutores. Nos tempos em que estudei com profundidade esse modelo, emergia o forte contexto em que ele decorreu, designadamente em ambos os países através de uma política industrial de grande agressividade e favorecimento da internacionalização de grupos empresariais, no caso da Coreia do Sul, de grupos de base familiar, que puderam dispor de bancos próprios para o seu financiamento. Numa vaga de industrialização mais recente, a China emerge como uma versão alargada, e em alguns aspetos melhorada, desse modelo, nomeadamente no campo das energias verdes e indústrias elétricas, domínio em que lidera com clareza a economia mundial. Se os casos da Coreia do Sul e de Taiwan devem ser, como o referimos, contextualizados, por maioria de razão o modelo chinês de industrialização por substituição de exportações assenta num contexto que é novo na divisão internacional do trabalho – é uma economia de grande dimensão, que coloca o monopólio do Partido Comunista ao serviço do comando de uma estratégia típica de capitalismo de Estado. Mas o modelo é essencialmente o mesmo – da difusão (imitação) à inovação, embora com um poder de comando e de coordenação que é substancialmente mais forte e determinado).
Ao contrário do que é ensaiado por muitos países que se aventuram na invenção da roda, o modelo asiático indica dois caminhos muito bem definidos – é em economia aberta que se concretiza a estratégia e o ponto de partida é a difusão de tecnologia, isto é, trabalha-se sobre o que os outros começam por saber fazer. Quando o investimento estrangeiro ocidental descobriu a produção fora de portas e começou a criar fábricas na China, por exemplo, essa externalização é uma via de transferência de tecnologia que tanto pode ser ignorada por quem a recebe, como aproveitada ao serviço de uma futura estratégia de inovação. A imitação é uma forma de difusão e transferência de tecnologia, que a política industrial desses países utilizou paulatina, mas sustentadamente construir as suas próprias estratégias de criação de valor-inovação. O papel da I&D (investigação e desenvolvimento) é neste processo crucial, pois é essa I&D que vai permitindo a partir da tecnologia transferida construir trajetórias próprias de inovação. A dimensão de uma economia como a China é aqui um fator complementar muito importante. Não só a massa demográfica permite uma alocação confortável de recursos humanos à I&D (capitalizando a aposta constante na educação desses países), como a dimensão do mercado interno lhe permite testes de produção, que são depois em última linha explorados no comércio internacional.
A evolução da China nas energias verdes e indústrias elétricas obedece rigorosamente a este modelo, partilhando com as experiências da Coreia do Sul e de Taiwan a característica de poder de coordenação forte, neste caso proporcionado pelo monopólio do Partido Comunista, o que lhe garante uma maior força e poder de vinculação.
Max Bearak e Mira Rojanacasakul publicaram em agosto no New York Times um longo artigo sobre a ascensão chinesa nestas indústrias, cujo indicador mais explícito e representativo é o da explosão do número de patentes registadas (a fonte é o European Patent Office): no ano de 2000, o número de patentes chinesas registadas nas energias limpas era de 18; em 2022, esse número subiu para mais de 5.000 patentes.
E o que é mais importante é que uma trajetória desta natureza gera uma acumulação de conhecimento e de inovação empresarial que é dificilmente replicável por outro qualquer país candidato. Por força dos interesses em que está mergulhado, mas provavelmente também pelo reconhecimento dessa evidência, a administração Trump continua rendida aos interesses fósseis depois da administração Biden ter tentado que a economia americana entrasse nos eixos das indústrias. Mas o Inflation Reduction Act (IRA) de Biden jaz hoje no cemitério das apostas perdidas e ou abandonadas.
A evolução chinesa de registo de patentes é mais marcante nas baterias e na energia solar, enquanto a Europa domina ainda a energia eólica e as redes inteligentes, mas nestas últimas a China está prestes a ganhar a dianteira. E o que é relevante sublinhar é que tudo isso está estruturado num esforço notável de investigação e desenvolvimento como o gráfico acima o documenta bem. No fundo, a lição é sempre a mesma. Nos países que arrancam mais tarde, os chamados “late comers”, a estratégia de inovação passa inicialmente por colocar a I&D ao serviço do aproveitamento da transferência de tecnologia. Só muito excecionalmente um “late comer” pode dar-se ao luxo de organizar a sua estratégia de inovação inicialmente a partir da investigação fundamental. Ela poderá intervir, mais tarde, quando a transferência de tecnologia está dominada e é necessário acrescentar conhecimento fundamental para consolidar a trajetória de autonomia tecnológica. É esta realidade que alguns iluminados do sistema científico nacional ainda não compreenderam.
Dos gráficos elaborados pelos dois autores, ressalta ainda a posição de superioridade que a Europa apresenta em relação aos EUA. A superioridade da inovação chinesa nas indústrias elétricas é hoje inquestionável, mas a Europa tem ainda a possibilidade de em alguns nichos de tecnologia prosseguir estratégias de autonomia de inovação tecnológica. Esta possibilidade é demasiado importante para se perder nos meandros de guerras comerciais obscuras. Até porque se há domínio em que a Europa carece desesperadamente do contributo da inovação é a procura de níveis mais sustentados de autonomia energética.



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