segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A QUALIDADE DA DEMOCRACIA LOCAL

 

(O comentário político e o pensamento sobre o estado das coisas em Portugal, apesar de toda a sua diversidade e idiossincrasias dos protagonistas, podem dividir-se em dois grandes grupos, tudo indica de dimensão bastante desigual. De um lado, temos um grupo que vive e anima uma bolha analítica, centrada na política em sentido estrito, largamente motivada pelo que se passa na aglomeração da Capital, com mapas mentais do país distorcidos, em alguns casos compensados com algum cosmopolitismo e internacionalização. Do outro lado, temos um grupo de menor dimensão expressiva, que vê o país não através das lentes afuniladas da Capital, mas antes segundo uma perspetiva territorial, vendo o todo a partir do particular. Este grupo tem obviamente variantes que podem ir desde localismos extremados, incapazes de ter uma interpretação do país a partir das suas referências territoriais até visões mais elaboradas, também internacionalizadas e cosmopolitas e que acrescentam à visão de país as ditas referências territoriais. Estes dois grupos praticamente não se relacionam e os media aniquilam regularmente os protagonistas do segundo grupo, não lhe reconhecendo o direito a uma visão territorial do país. Grande parte dos protagonistas deste último grupo desistem desse reconhecimento e notoriedade porque o julgam artificial e efémero. Alguns são direcionados para um acantonamento empobrecedor e outros resistem a esse acantonamento, mas abdicam de uma maior notoriedade e de lutar por ela. Esta longa introdução reflexiva explica-se porque estamos em vésperas de eleições autárquicas. O meu colega de blogue demonstrou eloquentemente de que lado o Eixo do Mal está nesta profunda divisão e de facto a compreensão do fenómeno autárquico e o desdém que certas comunidades de pensamento nutrem pelo poder local resulta diretamente em meu entender desta profunda divisão, descontando os seus matizes. É neste contexto que saúdo e me regozijo com as longas entrevistas que o jornal Público realizou com alguns autarcas que finalizam agora os seus mandatos por força da limitação legal existente. Para já, li com prazer as entrevistas dos presidentes cessantes de Arraiolos, Braga, Fundão e Sintra, Sílvia Pinto, Ricardo Rio, Paulo Fernandes e Basílio Horta. Com as suas diferenças e especificidades, temos quatro grandes autarcas e exemplos vivos do segundo grupo de perspetivas sobre o país, construídas a partir de referências territoriais bem marcadas, que dão bem conta da riqueza da diversidade do país.)

O que ressalta da leitura destas entrevistas é todo um outro país, porque visto através de outras lentes. Depois, entrando mais fundo nas práticas desenvolvidas e na consistência do pensamento que ressalta das palavras recolhidas por Manuel Carvalho, percebemos que estamos perante políticos locais de grande dimensão e estaleca. Se compararmos essa consistência e solidez de pensamento e prática com alguns dos vultos que se passeiam pelos corredores do poder a diferença é tão notória que até doi. E o que é importante notar é que isso acontece numa atividade altamente escrutinada não só política como administrativamente. Poderão os mais céticos dizer-me que são exceções. Pelo meu conhecimento de terreno, diria que exceções são as ovelhas tresmalhadas.

Não faço ideia qual vai ser o futuro político de Sílvia Pinto, a presidente da Câmara de Arraiolos, filiada no PCP. Quanto a Basílio Horta a reforma estará perto. Mas Paulo Fernandes e Ricardo Rio, se não me engano, irão ascender a funções regionais relevantes, podendo projetar nessa escala territorial a consistência das suas ideias.

Recomendo vivamente a leitura ou a audição das longas entrevistas.

Aprende-se mais, bastante mais, do que com o ruído emanado da bolha.

 

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