quarta-feira, 15 de outubro de 2025

A INCAPACIDADE DO PCP LER AS SITUAÇÕES CONCRETAS

 


(Se há crónicas alheias que gostaria de ter escrito, a crónica de Daniel Oliveira sobre o PCP  e a doença infantil do comunismo no Expresso online está nesse grupo. Dos resultados eleitorais do passado domingo, sabemos que o PCP travestido de CDU resiste, mas com enormes perdas e uma rarefação significativa de influência a sul, ainda que o número de Câmaras Municipais alcançadas tenha ficado um pouco acima do por mim esperado. Mas é sobretudo no caso de Lisboa que a crónica de Daniel Oliveira é particularmente contundente e aprecio-a por isso. O PCP sofre neste momento a ressaca dos efeitos da geringonça e por isso afasta-se de qualquer aliança à esquerda, pensando com isso que vai suster a sua erosão. Já por repetidas vezes insisti, neste espaço, na tese de que a geringonça foi a fórmula política ajustada à situação concreta da sociedade portuguesa, com necessidade de recuperação rápida dos traumas da austeridade e do ir além da Troika que foi ensaiada em Portugal. Podemos discutir se essa fórmula política foi possível apenas pela excelente relação que existia entre António Costa e Jerónimo de Sousa e concordo que se tratou de uma fórmula concreta para uma situação bem concreta, por isso largamente irrepetível a nível nacional. O PCP reivindica-se de análises marxistas dos contextos em que tem de decidir, mas em meu entender fica-se pela vulgata do marxismo. Partir da irrepetibilidade da geringonça a nível nacional para negar a grande convergência da esquerda em Lisboa, com a melhor candidata possível à esquerda, é de novo negar a necessária leitura concreta das situações concretas. Daniel Oliveira acerta na mouche quando escreve que: “A explicação é simples: as classes médias estão a ser expulsas da cidade onde cresceram, ou para onde vieram trabalhar, enquanto bairros como Campo de Ourique, a baixa da cidade, Belém ou as Avenidas Novas se encontram cheios de reformados franceses ou nómadas digitais endinheirados. É por causa dessa transformação que estas eleições correspondiam a uma enorme urgência. Sem travar a sangria de classe média-baixa, a esquerda arriscar-se-ia a nunca mais vencer a capital, crescentemente transformada num condomínio”. Estou em crer que não se trata de cegueira pessoal de João Ferreira, mas de leitura global do partido que com essa decisão admitiu defender melhor a sua periclitante posição.)

Esta incapacidade de leitura concreta das situações concretas como o mais sábio marxismo nos ensinou a fazer, conduz à contundência da conclusão de DO: “Será um excelente vereador sem pasta, sem poder, sem relevância para o futuro da cidade e do PCP. Parabéns e que guarde a taça na prateleira das vitórias morais.”

Haverá, por certo, almas iluminadas, sempre prontas a compreender os dilemas existenciais do PCP, como João Miguel Tavares que sustenta que a esquerda não perdeu em Lisboa por culpa de João Ferreira e da sua recusa. Ninguém pode ignorar o êxito da AD no voto urbano mais representativo em termos das maiores concentrações urbanas. Nessas vitórias, como especialmente a de Vila Nova de Gaia, o PS tem culpas no cartório, pois o consulado de Eduardo Vítor Rodrigues deixou-se envolver por ambientes demasiado turvos (e não estou a referir-me às razões que determinaram a sua perda de mandato), mas à sua precipitada ambição para voos mais largos que certamente teve efeitos na consistência da governação local. Mas, em Lisboa, DO tem toda a razão quando destaca a natureza muito particular das mudanças sociológicas que demografia e política de habitação estão a determinar, alterando profundamente o peso do eleitorado sensível a um projeto de esquerda para a Cidade. Não compreender a importância desta mudança releva de uma profunda inconsistência política, não disfarçável com a inequívoca competência técnica de João Ferreira. Era isso que estava em causa em Lisboa. É peregrino o PCP pensar que, tal como DO o refere, resistirá num deserto à esquerda. A incapacidade de ler as situações concretas mostra que o PCP ficou pela vulgata do marxismo. Paz à sua incapacidade.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário