terça-feira, 14 de outubro de 2025

PARA VIRAR A PÁGINA AUTÁRQUICA

Os boletins estão contados, as contas fechadas e as análises esgotadas, as Autárquicas 2025 terminaram sem o saldo que delas temíamos e demonstrando quanto a dimensão local e de proximidade influencia as escolhas eleitorais (mesmo a despeito de uma vitalidade social assaz limitada). Ainda assim, e como aqui ontem afirmei, têm sido manifestamente exageradas algumas tomadas de posição por parte de políticos e comentadores, o que procuro criteriosamente contrariar.

 

A principal figura que sobressai é Luís Montenegro, um primeiro-ministro cada vez mais cheio de si e que já não consegue disfarçar minimamente a vaidade que o invade e a autoavaliação que faz de si próprio como uma espécie de Cavaco 2.0 que entende ser – que lhe preste, embora a soberba tenda a acabar mal! Dizer apenas que a vitória da AD sobre o PS foi realmente “poucochinha” e, em muitos casos, tão tangencial que não devia dar lugar a inchaços de grande envergadura – veja-se que esta realidade, já de si verdadeira no tocante ao número de presidências de Câmara conquistadas, ainda adquire maior clareza em termos de número de vereadores (apenas mais 27, ou seja, 1,3% dos 2058 postos camarários para o lado laranja e seus aliados do que para o lado socialista e respetivos parceiros – note-se que os quadros abaixo atribuem os lugares obtidos ao maior partido coligado, nas situações em que tal se aplica).

 

Depois, a questão maior, e que também já ontem aqui identifiquei, da alegada derrota do Chega. Ela existiu sim face às expectativas negativas que se tinham avolumado na sequência das Legislativas de maio e, essencialmente, face à arrogância com que Ventura e seus apaniguados fizeram previsões de vitória que estiveram muito longe de acontecer. Mas, dito isto, a verdade é que também aqui se verificaram vários desaires tangenciais e, sobretudo, foram razoavelmente expressivos os resultados da extrema-direita em termos de número de vereadores, transformando os 1% de presidências nos 6,7% que colocam o partido numa notória posição de terceiro maior no terreno local (e já nem falo do papel que lhe caberá, em muitos concelhos, de força importante para assegurar a desejada governabilidade). 

(Elaboração própria a partir de https://www.autarquicas2025.mai.gov.pt/resultados)

(Elaboração própria a partir de https://www.autarquicas2025.mai.gov.pt/resultados)

Neste contexto, a CDU e o CDS não podem deixar de ser encarados como relativamente irrelevantes a esse mesmo nível, quer porque os comunistas prosseguem numa senda de perda e já só valem apenas 4 a 4,5% do todo nacional (há quem valorize em demasia algumas escassas reconquistas, o que não parece muito marcante para indiciar uma capacidade apreciável para suster a tendência), quer porque os centristas vivem ligados à máquina da útil marca AD e se agarram como leões aos seis concelhos que um dia algum notável da terra lhes garantiu, valendo entre 1,5 e cerca de 2% em peso nacional e com o tradicionalismo do povo local a ainda não ter encontrado razões ponderosas para mudanças (percebi ontem que na Mêda a coligação com o PSD era encabeçada por um militante dos populares, que assim se regozijaram com mais um lugarzinho obtido à boleia). É de resquícios que se trata e não de uma qualquer representatividade que mereça saliência, um fenómeno algo mais espraiado do que o poder disponibilizado ao JPP no município madeirense de Santa Cruz.

 

Por fim, uma nota sobre a questão dos “grupos de cidadãos eleitores”, os ditos independentes, uma realidade a merecer estudo mais aturado. Com efeito, ela oscila entre algumas situações, que julgo minoritárias, de verdadeira vontade de dar voz ao exterior dos partidos e outras, que me parecem dominantes, de oportunismo conjuntural por razões pessoais ou de protesto face ao aparelho partidário. Em todo o caso, estes movimentos não deixam de permitir, exceto quando alguma perversão prevalece, um acrescido jogo democrático e uma maior respiração local que têm de ser saudados. Isaltino será o campeão deste tipo de expediente, como à sua escala o é Rondão de Almeida em Elvas, mas houve também resultados surpreendentes a juntar a outros já consolidados (Aguiar da Beira, Caldas da Rainha, Golegã, Manteigas, Mealhada) em municípios como Aljezur, Belmonte, Condeixa-a-Nova, Esposende, Figueiró dos Vinhos, Guarda, Montijo, Salvaterra de Magos, Soure e Vila Nova de Poiares. Houve também candidaturas estabilizadas que foram derrotadas (Ílhavo é o caso mais lamentável, mas também Batalha, Borba e Marinha Grande). E prescindo, por motivos óbvios, de comentar a vitória retumbante de Vítor Hugo Salgado em Vizela...

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