(Vouchers oferecidos que tinham de ser gozados e rumámos à Pousada do Palácio de Queluz para um curto fim de semana por terras de Lisboa, aproveitar para estar com a família e alguma procrastinação sobre o tempo político que se vive por cá e pelo mundo, com relevo para as presidenciais que, com algum esforço, tentámos transformar em algo de estimulante. Por ironia do destino profissional e pessoal, se há longos anos não passava pela célebre Linha, do CCB ao Guincho, estive a semana passada em Paço de Arcos, na Escola Superior (Politécnica) Náutica Infante D. Henrique, para regressar ontem domingo ao apelo da marginal e de novo apreciar a espantosa mole humana que corria, passeava ou se divertia por aquelas paragens. Uma breve passagem pelo equipamento dedicado a Julião Sarmento, uma bela peça arquitetónica de Carrilho da Graça, o qual procura ainda, pareceu-me, um âmbito expositivo diferenciado, embora me agrade a interdisciplinaridade artística que ali emerge. Um belo vídeo de João Onofre, centrado no Tejo e numa visão particular da outra banda, com uma pequena ilha flutuante vogando no rio até se perder de vista no mar longínquo, marca a exposição. A procrastinação em torno das presidenciais continua ensaiando encontrar estímulo e matéria de reflexão nos seus desenvolvimentos, a que poderia chamar presidenciais take 3, que não é matéria fácil de desbravar, dado o peso mediano dos protagonistas que apareceram a terreiro.)
É provável que algo de excitante ainda possa suceder até janeiro próximo, se calhar é otimismo a mais, mas admito que, estabilizados os protagonistas, o seu posicionamento relativo, possa ir mudando, espero que não comandados reactivamente pelas habilidades do Ventura. Isso está já a acontecer com Gouveia e Melo, certamente mais por influência do pensamento político que está ao seu lado do que pela convicção do candidato.
Ontem, no Princípio da Incerteza, Alexandra Leitão apresentou-se como uma espécie de representante do sentimento que vai emergindo pelas hostes de um certo PS, achando normal o apoio do partido ao seu ex-Secretário Geral António José Seguro, mas clamando que o centro-esquerda continua sem uma representação mais convincente. A matéria é óbvia e não serão Catarina Martins, António Filipe e Jorge Pinto a poder assumir essa representação, já que estarão na eleição apenas para salvar o coiro das respetivas formações políticas, Bloco, PCP e Livre.
O problema existe e constitui a principal dificuldade que o PS atual enfrenta, apesar dos esforços bem-aventurados de José Luís Carneiro. Depois da perigosa deriva do “pedronunismo”, claramente rejeitada nas urnas, sem apelo nem agravo, o PS procura um posicionamento de centro-esquerda que o faça permanecer imune às tentações miméticas do Chega para problemáticas específicas e o permita alcandorar a uma alternativa fiável em matéria de governação à onda de centro-direita e de direita da qual o governo de Montenegro tem cada vez mais dificuldade em distanciar-se. As Presidenciais poderiam ter sido uma grande oportunidade para evoluir nessa direção, mas a sequência dos acontecimentos eleitorais levou o partido a privilegiar procurar sair ileso das autárquicas, o que conseguiu.
A consolidação dessa alternativa de centro-esquerda é exigente em termos de tempo e de construção de uma base programática fiável e sobretudo reconhecível pelo eleitorado. Por isso, embora compreenda a pressão das autárquicas, a exigência da alternativa de centro-esquerda não se compadece com mais esta espera até que as presidenciais aconteçam. As negociações pontuais com o Governo podem abrir alguma oportunidade de diferenciação, mas creio que é no plano interno das estruturas do partido e do círculo de simpatizantes não inscritos que essa alternativa tem de ser preparada com convicção.
Será que José Luís Carneiro está disposto a protagonizar a organização dessa alternativa, envolvendo todas as sensibilidades que para ela podem construir?
Essa é para mim a questão central.
Quanto às Presidenciais, penso que temos de nos preparar para o pior em matéria de cenários de segunda volta. Com todas as interrogações que a sua candidatura tem despertado, adensadas com esta estranha atração dos “passistas”, claro que seria melhor termos um cenário de segunda volta com Seguro a bater-se contra o Almirante. Mas não poderemos enjeitar a hipótese de ser Marques Mendes a protagonizar esse embate. A bomba pode acontecer com Ventura a alcandorar-se a essa posição. Nesse cenário, em tempo de guerra não se limpam armas. Há que apoiar qualquer um, Gouveia e Melo, Marques Mendes ou Seguro.
Nota complementar
Para fechar a referência à marginal lisboeta, devo dizer que o MACAM – Museu de Arte Contemporânea Armando Martins é uma peça notável e que adensa consideravelmente a qualidade dos equipamentos daquele eixo da capital. Não só o projeto de recuperação do edifício é um exemplo de contenção e bom gosto, como a qualidade da coleção que Armando Martins conseguiu reunir encheria o ego de qualquer um, tamanha é a diversidade dos exemplos marcantes que aquele espaço alberga. Vários registos me inundaram a sensibilidade, sobretudo um Eduardo Viana de suster o fôlego e um Vieira da Silva com um tratado de luminosidade, como se a luz brotasse dentro do quadro. Mas no estilo mais irreverente, há um vídeo cujo autor tentarei recuperar nos próximos dias que projeta uma história com dois bonecos assombrosos, Karl Marx e Adam Smith, deambulando nas atmosferas do Occupy Wall Street, que foi das coisas mais divertidas de que pude usufruir nos últimos tempos.
Bela manhã de segunda-feira, regada por um sol copioso, que certamente iremos amargar pelos próximos tempos.
Nota mesmo final
Com um pouco mais de tempo foi fácil descobrir o autor do vídeo com as marionetas de Karl Marx e Adam Smith. O autor é Pedro Reyes e o próprio MACAM o torna disponível:
https://macam.pt/pt/obras/marx-and-smith-at-occupy-wall-street-marx-e-smith-no-occupy-wall-street

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