quinta-feira, 16 de outubro de 2025

DIANE KEATON

 



(Por estes dias de azáfama reflexiva entre a ressaca das autárquicas e o Nobel de Economia, não houve tempo para registar o desaparecimento de uma atriz ímpar, que deixa um enorme vazio no cinema contemporâneo. Irreversivelmente ligada à memória do incontornável ANNIE HALL, Diane Keaton manteve desde aí uma coerência exemplar, envelhecendo com arte e classe até morrer provavelmente sozinha, a fama prega destas partidas, com uma pneumonia indesejável. Entre os muitos obituários e outras reflexões que li nos últimos dias sobre Keaton, que irradiava tanta rebeldia que não nos habituámos a vê-la como uma artista velha, o que mais me tocou foi o da crónica de Lorena G. Maldonado no El Español: “Diane Keaton era uma daquelas raparigas que é a tua melhor amiga até que te dás conta que, depois de estar sessenta anos enamorado dela, um dia ela morre, ou morres tu, e já não é possível dizer o que já não pode ser dito”. A cronista argumenta que Diane Keaton era uma conversadora militante e ao ler essa curiosa referência não pude deixar de recordar que ela arrasou no ANNIE HALL apesar de isso acontecer num contexto em que o desequilíbrio dos diálogos em favor do tempo de palavra de Woody Allen era claro, não fosse Allen o que sempre foi.)

Nunca outro filme e seguramente nenhuma outra atriz representou tão bem o encanto irresistível da neurose urbana feminina. Keaton não precisou de trabalhar o estereótipo de grande feminista ou da mulher forte para ocupar um espaço que nenhuma outra era capaz de o fazer ao mesmo nível. Inteligente e neurótica, displicentemente desalinhada, mas com uma classe inconfundível. Elvira Lindo dedica-lhe no El País palavras marcantes como “cómica, dramática, chapliniana”ou “inquieta, graciosa, incompreensível” e não existem palavras que cheguem para descrever a sua presença nos ecrãs.

Por ironia dos tempos, comprei o romance de Woody Allen “O que se passa com o Baum” praticamente em simultâneo com o conhecimento da morte de Diane Keaton. Refugiado nas suas contradições, que se agigantam com o seu envelhecimento, com a morte de Keaton, Allen fica paradoxalmente mais só, embora sem quaisquer laços de convivência mais recente. É que a inteligência feminina da neurose urbana de Keaton em ANNIE HALL faz parte do ADN do cineasta.

 

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