(A direita ultraliberal em Portugal, bem representada pelo projeto do Observador, com abundante financiamento privado, busca desesperadamente por uma formação política que encarne o seu ideário e aplique as suas convicções. Poderá dizer-se que quanto a esse propósito já esteve mais perto de o conseguir do que atualmente. Na sua configuração atual, a Iniciativa Liberal não preenche a ambição do projeto e o PSD de Montenegro também não. A formação política que esteve mais perto de protagonizar o interesse foi o PSD de Passos Coelho e dos jovens turcos que o acompanhavam na altura, com destaque para Sérgio Monteiro e Bruno Maçães, que foram à sua vidinha profissional. Compreende-se que o contexto da Troika era o desde sempre desejado. Ao abrigo do ditame internacional da disciplina financeira, era possível “ir além da Troika”, promovendo reformas de grande impacto, “pró-business” e “pró-mercado” que em contexto eleitoral aberto seria praticamente impossível conseguir. Assim, de todos os políticos portugueses com experiência de governação, Passos Coelho foi sem dúvida o que mais se aproximou do ideário do projeto ultraliberal e foi certamente com mágoa e recriminação que a inteligência orgânica desse projeto viu as transformações no PSD, primeiro de Rui Rio e agora de Montenegro. A posição pública de Passos Coelho tem sido curiosa. Aparentemente afastado da vida política, surge de vez em quando, seletivamente, seja para protagonizar a apresentação de um livro, seja em campanhas eleitorais como sucedeu esta semana. Em todos estes reaparecimentos, há uma coerência apreciável, e o que orienta essa coerência é precisamente o facto de ter estado próximo de ser o intérprete desejado do projeto ultraliberal, portador da tal modernidade que reivindicam.)
A passagem de Passos Coelho por esta campanha eleitoral que se aproxima do fim e que foi de novo abanada pela questão não resolvida da Spinunviva foi marcada por uma mensagem clara e inequívoca de que segundo ele não devem ser estabelecidas linhas vermelhas de governação com o Chega. Passos Coelho foi simplesmente mais claro e incisivo do que Montenegro. Na prática, Montenegro está a seguir essa orientação, pelo menos no que respeita aos problemas da imigração, simplesmente não o expressa de forma inequívoca e o objetivo é não perder totalmente a possibilidade de acordos pontuais com o PS de José Luís Carneiro.
Do ponto de vista do projeto ultraliberal que nos serve de referencial, as tais linhas vermelhas de governação com o Chega são no contexto atual de expressão e afirmação do populismo de direita incompatíveis com a possibilidade de se transformar em agenda política concreta de governação. A massa eleitoral que Ventura vai tentando segurar e agora estender com tentáculos e representantes locais é demasiado preciosa para qualquer projeto dessa natureza, com ambição de exercício de governação. Depois, sabe-se lá por que razão, é conhecida a devoção de Ventura relativamente a Passos Coelho. Aliás, estou convencido que se acontecesse uma revolução e Passos retomasse as rédeas do PSD a bolha do Chega desincharia rapidamente, pois Ventura aconchegar-se-ia nessa nova agenda.
Claro que não basta reiterar que não devem ser estabelecidas linhas vermelhas de governação relativamente ao Chega. Seria necessário compreender melhor o que pensa Passos Coelho da manta de retalhos em que o ideário do Chega está convertido. Mas a gestão dos seus aparecimentos é contida e Passos nunca se alonga em justificações das suas tomadas de posição. De qualquer modo, a presença de Passos tenderá a pairar sempre sobre os destinos do PSD que Montenegro procura controlar como pode, sobretudo agora que teve acesso ao poder e isso dá para entreter algumas das suas hostes.
Quanto ao projeto liberal, aguarda suspenso dos acontecimentos e do futuro do PSD de Montenegro. Ensaiará explorar alguns aspetos da governação que lhe inspirem mais confiança em termos de oportunidades de aplicação do ideário. Foi esse o caso das alterações projetadas para a legislação laboral e outras poderão seguir-se-lhe como por exemplo a progressiva privatização da saúde. Tratará com condescendência a massa eleitoral do Chega, pois ela é demasiado importante para ser desperdiçada.

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