segunda-feira, 6 de outubro de 2025

SOBRE GOSTAR E NÃO GOSTAR DE FUTEBOL

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

O jogo de ontem no Dragão foi uma ilustração vivida sobre questões como o que constitui o futebol, o que significa gostar de futebol e o que é perceber de futebol. Ao contrário do que é costume no “Público”, a crónica do jogo de Diogo Cardoso Oliveira dizia quase tudo no título (“O FC Porto-Benfica foi divertido para quem gosta de sossego”) e no heading da peça (“A primeira parte foi aborrecida e a segunda deixou saudades da primeira. Nesse sentido, não há surpresa alguma que o jogo no Dragão tenha acabado como começou”). Mas Mourinho também explicou o essencial quando sublinhou que o Benfica queria sair do Dragão a um ponto do FC Porto mas não poderia sair a sete, justificando a mestria tática com que decifrou o adversário (a palavra é dele próprio) e “empenou a saída do FC Porto desde trás”. E o treinador portista também não contrariou que o sucedido no tocante à postura do Benfica, e pese embora mostrando “quem veio para não perder”, foi realmente um exercício magistral de tática a que quis dar os parabéns pelo trabalho feito e pela justiça lograda no resultado. Tudo isto completado por um desabafo do comentador da TSF segundo o qual a vinda de Mourinho foi ótima para a imagem e divulgação do futebol português mas se tende a saldar por uma desvalorização do espetáculo desportivo em favor de um “resultadismo” que lhe está na massa do sangue e que só raramente lhe foge ao controlo por via da genialidade de um ou outro artista. Ou seja: o futebol é preferencialmente um espetáculo ou um jogo em que importa ganhar antes de qualquer outra dimensão? Pode-se gostar de futebol perante um jogo amarrado como o de ontem em que a técnica fica subsumida perante o rigor de um taticismo à outrance? E pode-se aprender a ver esse futebol objetivo e cínico e a dele retirar o devido gozo?

 

Os que já têm barbas porque andam pelos estádios há tempos imemoriais tendem a aceitar a dura realidade e até a encararem-na com algum agrado e muito conhecimento de experiência feito à mistura e, sobretudo, com uma frieza que os leva a apreciar mais as pequenas coisas reveladas, as prestações individuais e o seu lugar na forma como são subjugadas pela dominação do coletivo. Os outros, os adeptos mais novos, a maioria das mulheres que crescentemente vão aos estádios, os espectadores de sofá e os que não cedem no seu romantismo desportivo, todos esses são críticos cada vez mais ferozes do que vai sendo a face visível de um desporto que evolui para um negócio de largo alcance e chorudos lucros.

 

Daí que os heróis do jogo de ontem tenham sido os centrais de um e outro lado (Bednarek e Kiwior, António Silva e Otamendi) e os médios encarnados (Enzo Barrenechea e Richard Ríos) que tão judiciosamente taparam as incursões habitualmente rápidas e brilhantes de Froholdt, Gabri Veiga e Pepê. Dito isto, aquela grande penalidade sobre Deniz Gül aos 88 minutos, e a que nem MIguel Nogueira nem Bruno Esteves deram a devida atenção, podia ter alterado o sentido do que hoje se vai comentando e esse é também o outro encanto do futebol, seja pela sua contingência e imprevisibilidade seja pela sua dependência em relação a erros humanos que não deixam de marcar presença – apesar de não ser de bom tom que acabem por sempre beneficiar mais acentuadamente os mesmos...

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