(As questões do learning-by-doing (aprender fazendo) fascinam-me desde os já longínquos tempos da minha formação universitária na área do crescimento e do desenvolvimento económico. Nesse tempo, o fascínio estava na elegância analítica do modelo de Kenneth Arrow e também nas curvas de aprendizagem industrial que tanto influenciaram o brilhante economista americano a formalizar a sua pioneira abordagem da trajetória cumulativa do crescimento da produtividade. Mas o fascínio pelo tema rapidamente ultrapassou a do modelo, sobretudo quando comecei por razões profissionais e da consultoria a interessar-me pelo tema das competências. A relação entre tempo, experiência e produção de conhecimento é em si própria fascinante, sobretudo se integrarmos na equação o modo como cada um de nós se organiza para tirar partido do “aprender fazendo”. Quando as ciências da organização pegaram na inspiração de Arrow para estender o “aprender fazendo” à aprendizagem organizacional o salto realizado foi ainda mais fascinante. A nível das empresas e das organizações ainda é mais sensível compreender que a relação entre tempo, experiência e produção de conhecimento está lá para ser valorizada, mas isso implica capacidade de organização para acumular e formalizar conhecimento. Aliás, este é um dos pontos críticos dos nossos baixos níveis médios de capacitação organizacional, as nossas empresas e instituições aprendem pouco com o que fazem, sobretudo com os erros que frequentemente cometem. Esta longa introdução veio a propósito da leitura de um artigo da Foreign Affairs de outubro-dezembro deste ano, fresco quanto baste, e cujo tema é precisamente o modo como a Rússia está a aprender a partir da sua experiência de guerra, por si brutalmente provocada na Ucrânia. O artigo é assinado por uma louraça americana, Dara Massicot, que já foi analista na Rand Corporation e no Departamento de Defesa americano e que é atualmente Senior Fellow do Carnegie Endowment for International Peace, responsável pelo acompanhamento da Rússia e da Eurásia. São referências que impõem respeito, sobretudo as da Rand Corporation:)
Não tenho conhecimentos de inteligência de assuntos de guerra que me permitam apreender que informação de base suporta tão judicioso artigo e de certo modo tão importante para compreender o que está neste momento a passar-se em cenário de guerra e que tendências estão nesse plano a ser formadas. Mas admito que haja aqui uma grande contribuição dos serviços secretos americanos e ucranianos para constituir evidência, sobre a qual o juízo analítico de Massicot é elaborado.
O tema é surpreendente, sobretudo porque a máquina de guerra russa é frequentemente apontada como um exemplo de rigidez organizacional, profundamente hierarquizada. Ora, da literatura das ciências da organização, sabemos que esse tipo de organizações, rígidas e marcadamente hierárquicas, têm extrema dificuldade em fazer progredir a aprendizagem organizacional, na medida em que lhes falta a flexibilidade de leitura e interpretação da sua própria decisão para com facilidade transmitir essa informação ao pipeline que conduz à decisão.
O que surpreendentemente Dara Massicot nos transmite é a criação de um poderoso ecossistema de aprendizagem, montado sistematicamente pelas forças russas e que envolve a base industrial de guerra, a investigação universitária e de defesa e a leitura das necessidades de adaptação realizada a partir dos cenários de guerra. Segundo Massicot, essa capacidade de aprendizagem tem-se traduzido em novas táticas militares no terreno, em programas de conhecimento codificado de suporte à formação, produção de novos manuais de combate e inovação tecnológica em matéria de armamento (drones mais complexos e novos mísseis).
Obviamente que as forças ucranianas terão a sua própria adaptação e certamente que os conselheiros militares europeus e americanos terão a sua influência nessa adaptação.
Massicot fala de um processo de aprendizagem que começa no relacionamento individual entre soldados e unidades militares de terreno que trocam informalmente experiências, para depois em termos organizacionais toda essa aprendizagem ser institucionalizada e canalizada para canais que disseminem essa experiência e a transmitam à capacidade de formação. Esse desígnio vai ao ponto de oficiais administrativos e investigadores terem sido direcionados para pontos próximos das forças em combate, para em cenário de guerra analisar com mais pormenor e evidência comportamentos e práticas.
Não imagino com que fonte de informação, Massicot não deixa de acentuar que, apesar da implementação de todo esse ecossistema de aprendizagem, continua a existir um fosso entre esse ambiente relativamente vibrante de construção de novo conhecimento militar e a sua transmissão às linhas da frente, continuando por isso a registar-se um desempenho efetivo de guerra abaixo do que o potencial bélico russo justificaria em termos de efetivos e de equipamento. Provavelmente, a flexibilidade organizativa ucraniana estará a pautar tais diferenças. A utilização de pequenas equipas de assalto e a utilização cada vez mais especializada de drones são matérias vitais às quais a aprendizagem russa estará a prestar a prioridade de atenção. A verificar-se, isso representará uma enorme alteração face a outros cenários de guerra no passado, como foram os maus resultados no Afeganistão e na Síria, já que a existir essa capacidade de aprendizagem nesses teatros de operações do passado não conseguiu atingir as linhas da frente.
Numa sociedade rígida e autocrata no plano político, é difícil antecipar a rapidez de implementação com que o processo de aprendizagem a partir do terreno irá materializar-se em pleno combate. A mudança de paradigma revelada por Dara Massicot pode confrontar-se com problemas de transmissão de informação que são típicos deste tipo de organizações. Mas talvez seja um risco demasiado elevado continuar a admitir que essa rigidez é imutável e perigoso para os soldados ucranianos não antecipar essa mudança.

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