(É do conhecimento generalizado que as eleições legislativas representaram para o CDS o equivalente a ganhar um prémio robusto na lotaria. A sua integração na AD garantiu-lhe dois lugares no Parlamento em ambiente de morte anunciada e mais do que isso um lugar no Governo. O problema é que no contexto atual o ministério da Defesa não é pera doce, exigindo maturidade e consistência, características de que Nuno Melo nunca deu prova cabal. O caso da flotilha de protesto ativo contra a situação em Gaza, sim porque é mais uma manifestação de ativismo que em democracia é legítima e possível e não uma operação de ajuda alimentar, colocou de novo à prova a inconsistência e imaturidade do ministro, gerando um problema de coerência comunicacional e de decisão no Governo. Não só foram registadas falhas de comunicação entre o ministério da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, e não devemos ignorar que é este que conduz a política externa, quanto à utilização da base das como a maneira como Nuno Melo identificou os ativistas portugueses detidos e deportados pelo Governo de Israel é do mais vil e grotesco que poderia ser imaginado, pois as convicções legítimas no plano pessoal e partidário sobrepuseram-se ao dever de defender os cidadãos portugueses detidos pelo Governo de Israel. Identificar os ativistas como apoiantes de terrorismo e implicitamente do Hamas é do mais execrável que poderia esperar-se de um governante. No plano pessoal, o ministro da Defesa pode pensar o que entender sobre Mariana Mortágua e restantes ativistas portugueses, pode combatê-los no plano político se tiver força e oportunidade para isso. Outra coisa bem diferente é fazê-lo no quadro de funções de Estado, onde o seu posicionamento deve pautar-se pela defesa possível dos cidadãos portugueses.)
Todo o alarido que a participação de Mariana Mortágua e restantes ativistas suscitou na sociedade portuguesa é indicativo da onda de direitização instalada nas instituições e na população em geral. O ativismo internacional faz parte dos mecanismos democráticos, podendo ou não ser alvo de crítica política. O ativismo político generalizado que precedeu o reconhecimento da independência de Timor suscitou na sociedade portuguesa um amplo apoio e compreensão, gerando uma frente alargada de apoios. A tragédia de Gaza é bem mais fraturante, mas a diferença principal está no contexto atual. O ministro da Defesa tem esfregado as mãos com a evolução neste contexto, pois tem-no dispensado dos esgares de sobressalto democrático a que a função o obriga, esperando por uma praia mais confortável e onde se sinta mais à vontade.
É um facto que está em cima da mesa uma hipótese de paz, orquestrada pela estratégia de força de Trump e Nethanyahu. Mas isso não implica que o plano de paz (a confusão é muita sobre quantos planos de paz existem e qual é a versão que os contendores estão a interpretar) não seja suscetível de crítica, sobretudo pelas condições em que será negociado, apontando mais para um trado de capitulação do que propriamente para uma paz negociada.
O moribundo CDS atual está longe do personalismo cristão que poderia inspirar uma visão mais compreensiva do ativismo da flotilha, por isso a oportunidade de destilar a animosidade aberta contra esta forma de manifestação política foi aproveitada com sofreguidão. O homem (o Ministro) deve suar as estopinhas e colocar-se permanentemente em bicos de pés para se fazer ouvir no Governo.
O problema é que para quem ontem à noite hesitava em ver o jogo no Dragão ou a chegada dos ativistas ao aeroporto foi fácil compreender que os ativistas tiveram as suas duas ou três horas de glória comunicacional, pois todas as televisões se mantiveram na receção, que começara já em reportagens em Madrid, aguentando firme contra a chegada dos comentadores desportivos em força, para explicar o taticismo de Mourinho e a não ambição de Farioli. Mariana Mortágua foi muito criticada por, num momento difícil do Bloco de Esquerda, ter preferido o ativismo no Mediterrrâneo à imersão nas suas bases em plena campanha autárquica. Mas estou em crer que se entre esses críticos estavam apoiantes ou simpatizante do Bloco eles terão percebido que o estrondo comunicacional da chegada talvez tenha dado um pequeno impulso de resistência ao partido.
Quanto ao Ministro terá começado a treinar mais alguns esgares histriónicos de convicção democrática, pois esta descaída saiu-lhe mal, deu espaço para Chicão parecer um progressista e há que partir para outra, pois a oportunidade de se manter à tona é coisa que tem de ser preservada a toda a força.

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