segunda-feira, 13 de outubro de 2025

AUTÁRQUICAS: BOM, MAU E ASSIM-ASSIM

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)


Uma das coisas que mais me irrita à saída dos processos eleitorais em Portugal é aquela máxima politicamente correta segundo a qual a sabedoria do povo português o leva a decidir sempre bem, ou seja, em termos de moderação e sensatez ou nos termos de uma resposta adequada ao momento conjuntural em curso. Quase sempre reveladora de uma capacidade inegável do comentador ou do agente político para acertar no totobola à Segunda-Feira, uma tal máxima não passa, a meu ver, de uma lapalissada de duvidoso conteúdo e plena de ineficácia explicativa. Os resultados das Autárquicas de ontem são, a este título, elucidativos: a votação no Chega e, sobretudo, o seu marcante desaire em número de câmaras presidenciais conquistadas (apenas três!) contrasta de modo inequívoco e quase brutal com as suas sessenta vitórias concelhias nas passadas Legislativas de maio – os “espertos” que por aí pululam a rodos não se atrapalham com esta inconsequência analítica, já que antes era do voto de protesto, da subida da extrema-direita e do fim do bipartidarismo que se tratava e agora a questão passou a ser a da razoabilidade intrínseca aos nossos eleitores, da excecionalidade nacional e da resistência e preservação da velha ordem política nascida há cinquenta anos.

 

Raciocínios idênticos, embora mais delimitados, podem ser feitos quanto ao PCP – que oscila entre uma tendência inelutável para a extinção e uma visível capacidade para escapar a tal destino – ou ao CDS – que, salvo do encerramento pela mão amiga de Montenegro, mantém desesperadamente seis redutos historicamente alcançados e assim consegue ser visto como o quarto maior partido autárquico (!). Ou mesmo em relação ao Partido Socialista que, condenado a uma morte por muitos anunciada na sequência da hecatombe de maio passado, logrou ontem ficar a escassas oito presidências totais do adversário ganhador e assumir a viragem em várias cidades muito relevantes e simbólicas (como Coimbra, Faro, Viseu, Bragança ou Évora) e manter mais algumas (Castelo Branco, Leiria, Viana do Castelo e Vila Real) de molde a conseguir uma quixotesca vitória tangencial em matéria de capitais de distrito. E, ainda, no tocante ao PSD que, consagrado como grande e indiscutível vencedor em demonstração do manifesto engenho político dessa figura espinhense que o País inesperadamente tem vindo a descobrir, apenas venceu por muito poucochinho contra os tais sumidos socialistas (vejam-se as vitórias à justa em Beja, Braga e Setúbal, p.e. ou mesmo em Sintra, Gaia e Porto, com a entrega de Lisboa a Moedas a ser o caso de maior injustiça do desfecho e a dever ser largamente contabilizado a débito de João Ferreira e do PCP). Em suma: um output eleitoral algo falacioso e suscetível de ser lido de múltiplos modos e ao sabor das mais variadas conveniências.

 

Importará ainda sublinhar um outro dado a merecer atenção: o de não ser de todo verdadeira a ideia de uma CDU ou de um CDS continuadamente mais representativos em termos autárquicos face ao Chega, decerto objeto de uma derrota que se saúda mas doravante também o terceiro partido nacional em termos de eleitos locais (se considerarmos, designadamente, os vereadores e o modo como contará para a formação de maiorias decisionais). Um tema a justificar algum aprofundamento.

 

Pessoalmente, não posso considerar-me senhor de uma atmosfera tão respirável quanto a do meu colega aqui do lado, embora não tenha muitas razões de queixa (Pedro Duarte é um portuense urbano e confiável, a Póvoa não tem emenda e o “laranjismo” já faz parte do que “a casa gasta”, Santo Tirso é socialista sempre e a minha Lisboa também tem Alcântara mas em doses iguais com uma freguesia de Campo de Ourique convertida ao PSD). Por fim, e quanto ao exercício de estimação previsional que elaborei (e o “Expresso” publicou no seu site), o meu pioneirismo de principiante foi relativamente bem premiado (apenas falhei redondamente em 17,5% dos concelhos) e não obteve melhor resultado devido à imprevisível quebra dos votos expectáveis no Chega (que a minha estimativa mais conservadora colocava logicamente em 7 presidências para um cenário médio de 14, situação final que não deixo de aplaudir vigorosamente!) e à consequente obstinação lutadora dos comunistas (a quem vaticinei uma derrota largamente maior do que a verificada e sem a ocorrência de algumas reconquistas).

 

E assim seguimos em frente, à espera de vermos o modo como este final de mandato marcelista ajudará a estragar a herança do seu sucessor, o modo como Montenegro reagirá à tenaz de um Chega ferido no seu orgulho e ao posicionamento decente de Carneiro, o modo como Ventura preparará uma campanha presidencial escabrosa de que sairá um novo Chefe de Estado numa segunda volta em que vencerá o “mal menor” e, mais importante do que tudo o resto, o modo como o País se aguentará no balanço dos imensos e problemáticos desafios que impercetivelmente o cercam.

Sem comentários:

Enviar um comentário