(A língua portuguesa não é tão rica e elaborada em questões de segurança como a inglesa o é. Sabemos que a distinção entre safety, proteção contra problemas acidentais como desastres naturais e security, proteção contra danos intencionais como vandalismo organizado ou terrorismo é muito útil para compreendermos as diferentes dimensões que se colocam em matéria de segurança. Sabemos ainda que os assanhados populismos de direita e extrema-direita trouxeram para as sociedades estranhas obsessões com ondas securitárias e é nessa base que se inscreve a agenda agressiva contra as populações imigradas, associando-lhes uma imagem de insegurança ou, como agora se diz, de perceção de insegurança. Esta questão é tanto mais obtusa quanto se reconhece que em Portugal existe uma fraca cultura organizativa de segurança. Imaginemos, pois, um país desleixado em matéria de safety e de security, obcecado por ondas e perceções de insegurança e não será difícil antecipar que a confusão irá campear por aí. Estas minhas reflexões foram determinadas pela leitura do relatório técnico sobre o trágico acidente do elevador da Glória em Lisboa, que considero ser na sua simplicidade um verdadeiro manual sobre a precária cultura de segurança que existe no país, tantos e tão variados são os maus procedimentos de manutenção e conservação, tendo em vista a proteção dos utentes daquele icónico meio de transporte na capital do país.)
De facto, o que está a acontecer numa grande massa de equipamentos e serviços públicos é o contrário absurdo de uma cultura de proteção a pensar na segurança dos utentes. E isto é tanto mais paradoxal quanto, como o referi, há forças políticas a cavalgar ondas securitárias no país, apenas para materializar a xenofobia contra a imigração. Ora, com uma baixa cultura de safety e de security não consta que os portugueses se sintam obcecados com a perceção de que as práticas de manutenção e conservação são más práticas do ponto de vista da proteção dos utentes.
O absurdo está instalado. Quando deveríamos estar a promover métodos avançados e plurianuais de orçamentação, de maneira a prever para todo o novo investimento realizado, a previsão atempada de investimentos de monitorização, manutenção e conservação, o que temos em crescendo são processos de encolhimento de custos, com processos ranhosos de externalização de serviços, cujo controlo de exigência e qualidade deixa totalmente a desejar.
Ao contrário do que o fininho Carlos Moedas veio imediatamente a terreno reivindicar, respirando de alívio, o problema não se resolve com uma divisão de responsabilidades entre a parte técnica e a parte política. Os problemas gerados pela externalização de serviços técnicos de fiscalização, monitorização e manutenção são obviamente simultaneamente políticos, pois resultam de opções sobre modelos de gestão e supervisão de bens públicos, tudo na linha do encolhimento de custos. Para muita gente da nossa praça, a contenção de custos de serviços públicos a todo o custo e sem olhar a meios é produto de uma agenda ideológica e não o resultado da procura saudável de ganhos de eficiência.
O desastre lá no passado de Castelo de Paiva mostrou então que as condições de manutenção de equipamentos estruturantes como pontes estava longe de ter a cobertura orçamental adequada, essencialmente devido à incapacidade de estabelecimento de padrões claros de financiamento plurianual, em que as despesas de manutenção têm de estar corretamente fixadas.
O problema é que estas insuficiências e más práticas só ganham notoriedade quando os acidentes marcam irreversivelmente a opinião pública. Por isso, não sabemos se não haverá por aí outros elevadores da Glória a aguardar o seu momento trágico de revelação.
E se quisermos passar das infraestruturas físicas para as digitais, não me esqueço de ouvir gente marcante na área das tecnologias a clamar que as condições de cibersegurança do nosso universo digital andavam também pelas ruas da amargura.
Estranho país este que, displicente na gestão dos processos de safety e de security, parece ir na onda das perceções securitárias quanto à imigração, burka ou não incluída.
É o que temos.

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