(Um dia de trabalho intenso em Lisboa, para iniciar um trabalho sobre a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique em Paço de Arcos, com viagem de comboio inusitada ao fim da tarde entre Paço de Arcos e o Cais do Sodré para depois apanhar o último Alfa Pendular do dia, com a derrota impiedosa do SLB pelo meio, não me permitiu ontem assinalar como pretendia o desaparecimento de Francisco Pinto Balsemão. A morte do fundador do Expresso e da SIC gera-me uma profunda nostalgia de fim de geração democrática, afinal poucos restam dessa profunda transição democrática, Marcelo, Eanes e Vasco Lourenço. É a sensação de fim de ciclo, de desaparecimento de toda uma memória e experiência dos que viveram a última década do regime de Salazar e Caetano e se aventuraram primeiro ma crítica do regime e depois no contributo decisivo para a construção e consolidação da democracia. Francisco Pinto Balsemão desaparece num contexto muito particular. Hoje, mais do que nunca, relembrando o período final do regime autocrático, deve ser prezado o contributo de Balsemão para a afirmação dos princípios de liberdade de expressão e de acesso à informação independente. Um empresário jornalista é uma coisa única e muito original. Podemos duvidar da implantação nacional do Expresso e da sua capacidade de atender a todo o país, desde o nó górdio da aglomeração lisboeta até ao mais ínfimo recanto de dinâmica criativa e de empreendimento económico ou social no território do continente e ilhas. Mas a trajetória do Expresso é também a trajetória da democracia portuguesa, como o cavalheirismo e espírito de empreendedor de Balsemão faz parte integrante da consolidação da sociedade portuguesa.)
Nunca saberemos se os problemas de sustentação financeira da IMPRESA que conduziram à hipótese de venda da empresa a um conglomerado de comunicação italiano a que Berlusconi esteve ligado, desconheço se o mesmo continua ligado à família, que colocaram em causa a possibilidade de Balsemão e da sua família continuarem a controlar o grupo empresarial, tiveram ou não alguma influência na deterioração da sua saúde. Porque se isso acontecesse significaria objetivamente perder o controlo de um projeto de vida.
De tudo que tem sido escrito e comentado, e há tanta gente que privou de perto com Balsemão e, por isso, melhor preparado para aferir da sua dignidade e grandeza de espírito, revejo-me muito na recordatória da sua máxima: “Não me apetece morrer, mas estou consciente de que o meu comboio está a chegar à estação. Estou preparado para isso.”
E que viagem impressionante foi essa!

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