terça-feira, 20 de agosto de 2013

A BLOGOSFERA ECONÓMICA NÃO FOI DE FÉRIAS

(Milton Friedman)

 (John Maynard Keynes)

Antes de mais boas vindas ao regresso do meu colega de blogue, pelos vistos com material de viagem bem interessante.
Várias vezes neste blogue anotei a importância do debate económico que passa pela blogosfera, sobretudo da americana, com relevo para as páginas ou blogues de Bradford DeLong, Paul Krugman, Mark Thoma (Economist’s View), do VOX EU (este essencialmente europeu), David Glasner (Uneasy Money), Tim Duy FEDWatch, do PIERIA (essencialmente inglês) e muitos outros. Talvez ingenuamente pensei que o Interesse Privado, Acção Pública pudesse assumir algum contributo mais estruturado para o debate económico interno. Mas, estando ele limitado a estes dois vossos servidores e com visitas sempre em número inferior para os posts de âmbito económico do que para os de âmbito político ou mais geral, esse projeto está adiado, o que não deixa de ser uma forma simpática de classificar a nossa ingenuidade.
Para quem como eu segue regularmente esta parte da blogosfera económica é fácil perceber que este grupo se autoalimenta, citando-se ou criticando-se reciprocamente, tirando partido do enorme poder de exposição e de comunicação que revelam, pelo menos alguns dos ícones desta blogosfera (escrever no New York Times é obviamente uma plataforma de enorme visibilidade. Mas, para além disso, o que temos é um ambiente de debate com grande tradição de intensidade de gente que trabalha que se farta, pois não deixa de produzir papers, manuais e obras de grande divulgação.
E o que é impressionante é que esse debate persiste no chamado período de férias. Sou um viciado destas coisas, não consigo afastar-me muito tempo do meu Portégé que me comunica com o mundo e mesmo com o Ipad perdido/roubado este ano não fugiu à regra. Esta gente não afrouxa e não notei que alguma destas colunas tivesse interrupção que se visse. E o que é mais relevante ainda é que o debate esteve (ainda está) rico de cambiantes.
Vários temas saltaram neste último mês, com relevo particular para os temas da política monetária e para os do crescimento. No âmbito do primeiro, emergiu um debate interessante em torno do pensamento de Milton Friedman, discutindo se ele é ou não em termos monetários um keynesiano. O debate é um pouco técnico, não o vou aqui reproduzir, mas prende-se sobretudo com o tipo de interpretação a fazer de taxas de juro muito baixas (próximas de zero ou mesmo nulas, no âmbito do que tem vindo a ser designado de “zero lower bound”) ou muito altas. Regra geral, a que os keynesianos também se associam, taxas elevadas e baixas são entendidas, respetivamente, como indicadores de dinheiro escasso e fácil. A esta tese contrapõe-se a de Friedman segundo a qual taxas elevadas e baixas são indicadores, pelo contrário, de dinheiro fácil (cheap money) e de dinheiro escasso (dear money). O que está aqui em causa é sobretudo a questão de saber o que é que determina a procura de moeda e se as taxas de juro nominais constituem um indicador credível do estado da política monetária (apertada ou distendida). Sabe-se hoje que as taxas nominais de juro não podem ser compreendidas isoladamente e que teremos de entrar em linha de conta com as expectativas inflacionistas. Se estas forem muito elevadas então no limite uma taxa de juro nominal muito elevada pode até indiciar estarmos perante uma situação de dinheiro fácil ou barato. Ora, o que não podemos ignorar é que, apesar dos receios ancestrais dos nossos amigos alemães, de expectativas inflacionistas estamos aviados e nada indica que tal panorama venha a alterar-se significativamente nos próximos tempos.
Um outro debate intenso tem acontecido em torno da relação crescimento económico- crises. A macroeconomia tendeu nos anos 80 e 90 (mais propriamente na primeira metade desta década) a glorificar o crescimento económico, trabalhando como se o ciclo económico tivesse desaparecido ou, pelo menos, tivesse sido dominado pela “sábia” governação da política monetária. Apesar de entusiasta das teses do crescimento endógeno, sempre nas minhas aulas alertei para os perigos de sobrevalorizar a capacidade da ainda que sábia política monetária dominar o ciclo económico e sobretudo para a errada compreensão do capitalismo perdendo de vista a eterna relação entre crescimento económico e crises. Na altura, a dificuldade consistia em comunicar aos alunos referências sólidas sobre os perigos de ignorar a dimensão das crises do capitalismo. Ou o teríamos que fazer recorrendo a economistas radicais de esquerda (na altura não era fácil orientar alunos para a sua leitura) ou então teríamos que nos basear em economistas como Krugman (de extrema relevância nesta matéria) que, desde muito cedo e a partir da economia japonesa, começou a perceber que as crises financeiras e de liquidez não tinham desaparecido.
O rumo das coisas acabou por dar razão à sagacidade de Krugman e outros. O que parece ter desaparecido é o crescimento (endógeno) e as crises e o ciclo económico estão aí de novo e a tão “sábia” política monetária afinal revelou-se não tão sábia como isso, estando de novo no centro de debate. O melhor indicador dessa viragem é o intenso debate sobre a sucessão de Bernanke no FED. Acaso estivéssemos em mar clamo de política monetária e de ciclo económico a sucessão passaria despercebida, o que não é o caso.
Mas, em simultâneo, os macroeconomistas parecem também despertar para um outro problema que, esse sim, tem sido aqui repetidas vezes alertado neste blogue. Trata-se de perceber se o capitalismo encontrou já, ou se permanece em busca desse novo Graal, uma nova fonte para o seu crescimento de longo prazo. Robert Gordon foi o economista americano que primeiro alertou para a distração do verdadeiro problema que a crise de 2008 Lehman Brothers suscitou. Afinal, para além dos seus problemas de recessão induzida por uma política económica pouco decidida e excessivamente apoiada nos mecanismos monetários, a economia americana estaria a debater-se com um esgotamento do efeito do progresso técnico na produtividade. O debate, embora timidamente, tem vindo a alargar-se e ainda recentemente o New York Times dedicou atenção ao tema do impacto reduzido das chamadas indústrias dos BIG DATA no crescimento. Alguns economistas têm referido que a internet e a sua grande influência no desenvolvimento de atividades com processamento de informação gigantesca poderá ser o tal impulso de crescimento de longo de que todos andam em busca. Convém, porém, não perder de vista que a transformação de um fator de impulso tecnológico em crescimento e em produtividade é muito lento como a história económica da inovação tecnológica o demonstra. Está ainda fresquinho uma obra do nobel Edmund Phelps, Mass Flourishing, que talvez traga novas perspetivas ao tema.
A blogosfera económica não foi de férias, embora a temperatura a isso convide.

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